Recentemente eu escrevi o artigo “Abuso de autoridade alheia”. Contei a história de uma senhora que se apresentara como esposa de um capitão. E queria se valer da condição do marido para manter o carro estacionado em área reservada à Delegacia de Crimes Contra a Mulher. O mais comum, no entanto, considerando as peculiaridades daquela unidade policial, era o homem se esquivar das acusações de violência contra a mulher. E, às vezes, alguns deles tentavam se valer de supostas amizades com autoridades de alta hierarquia na Segurança Pública. <TB>Diante de perguntas em torno das acusações, era comum ouvir frases que nada tinham a ver com os fatos:
O senhor agrediu a sua esposa?
– Antes de tudo eu gostaria de saber qual foi a delegada que mandou me intimar.
– O nome dela está escrito na intimação. E quanto aos fatos? O senhor agrediu a sua esposa?
– Eu sou amigo do secretário de Segurança. E vou pedir para ele verificar a legalidade deste inquérito.
A “amizade” com o Secretário de Segurança parecia se desmanchar quando eu lançava as seguintes exclamações:
– Amigo do secretário de Segurança! E, mesmo assim, o senhor agrediu a sua esposa?! Quando ele souber disso, ficará decepcionado com o senhor!
E a frase final, conjugada no modo verbal imperativo, para encerrar o assunto:
– Agora, vamos aos fatos.
Numa dessas ocasiões, um acusado de destacada posição social insistia em dizer que era amigo de pessoas de alta hierarquia. O discurso elegante contrastava com o bafo etílico, indicando que havia “tomado todas” na noite anterior. A propósito, isso indicava que as acusações deviam ser verdadeiras, pois o contexto de covardia contra as mulheres é quase sempre este: uso desenfreado de bebidas alcoólicas.
– Além do secretário de Segurança, eu sou amigo do comandante-geral da PM – comentou após mais uma frase pomposa.
Aí eu não tive dúvida de como voltar definitivamente aos fatos:
– Eu já lhe disse que o secretário de Segurança, quando tomar conhecimento das acusações, ficará decepcionado com o senhor. O comandante- geral da PM também ficará decepcionado. Sabe por quê?
– Por quê? – perguntou o acusado, ainda em tom desafiador.
– Porque o senhor abusou da autoridade deles. Além disso, abusou da sua condição de homem pra bater na esposa. E agora eu percebo também abusou do álcool.
E a frase final:
Agora chega de tantos abusos. Vamos aos fatos