O Deputado Natan Donadon foi condenado pelo STF por crime que envolve milhões de reais. Mas, mesmo na condição de preso, compareceu à Câmara e convenceu seus pares a não cassá-lo. Nem Salvador Dalí, com toda a sua arte do absurdo, conseguiria imaginar a cena: um presidiário discursando na tribuna de um parlamento.
O inusitado discurso nos faz pensar num requisito que se exige dos candidatos a um cargo público: idoneidade moral que, perante o Estado, tem um conceito amplo. Para os cidadãos em geral, o termo se refere à prestação de contas à própria consciência; basta ser correto, pouco importando a percepção alheia. Mas, para o cidadão que é funcionário público, não basta “ser”, tem de “parecer” correto.
O tema não é pacífico nos tribunais. Há decisões que aplicam a lógica da reabilitação, prevista no Código Penal, para ordenar a participação de candidato que já cumpriu integralmente sua pena. Mas também há decisões que restringem o conceito de reabilitação, mantendo seus efeitos nos limites do Direito Penal.
Cada caso tem suas particularidades. Deve-se levar em conta a natureza do crime praticado e o cargo a ser exercido. É razoável, por exemplo, nomear um servidor para tarefas burocráticas, mesmo que tenha sido condenado por lesões corporais culposas (não intencionais) em acidente de trânsito.
Por outro lado, não é razoável a nomeação para um cargo de assistência às vítimas de violência doméstica se o funcionário foi condenado por agredir o próprio cônjuge. E é aí que entra o conceito de idoneidade moral no serviço público. Mesmo havendo a reabilitação do condenado, quem lhe confiará a tarefa de proteger os direitos que, no passado, ele mesmo violou? Com esse histórico, como pode a reabilitação ir além dos limites do Direito Penal para permitir o exercício do cargo.
Mas parece que os parlamentares não levaram em conta nada disso. Ao impedirem a cassação do Deputado Natan Donadon, levaram ao ápice a cena surrealista de um presidiário discursando eloquentemente na tribuna. Eles ofenderam a idoneidade moral no serviço público. Afinal, por mais injusta que a condenação possa ter sido, quem confiará num deputado que se encontra preso? Assim agindo, eles dão mostra de que não ouviram os recentes clamores das ruas. É que a sociedade, mais uma vez, tem motivos para perder a confiança nas instituições. Afinal, quem confiará num parlamento que mantém o cargo de um preso?