Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

A vida e seu ofício

Publicado em 05/09/2016 às 19:15.Atualizado em 15/11/2021 às 20:42.

No seu discurso de adeus ao cargo que ocupava, a ex-presidente repetiu palavras de Maiakóvski, uma das vozes mais fortes e notáveis da poesia no século XX. Em 14 de abril de 1930, ele se matou com um tiro no peito, aos 36 anos. Afirmou: “O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”. 

Não consegui encontrar nos jornais a referência integral de Dilma ao texto. Não mereceu maior importância a declaração do poeta, que repetira o gesto de Serguei Iessienin, poeta amigo, após o Natal de 1925. A morte parece mais dolorosa quando os poetas morrem.

Quando Serguei se despediu da vida, deixou dois quartetos ao amigo e companheiro de ofício e luta, traduzidas as palavras por Augusto de Campos: “Até logo , até logo, companheiro/ Guardo-te no meu peito e te asseguro:/ O nosso afastamento passageiro/ É sinal de um encontro no futuro” – “Adeus, amigo, sem mãos nem palavras,/ Não faças um sobrolho pensativo./ Se morrer,nesta vida, não é novo,/ tampouco há novidade em estar vivo”.

O excelente repórter Geneton Moraes Netto, recentemente falecido aos 60 anos, visitou Moscou e os pontos nevrálgicos da capital que abrigou MaiaKóvski e lhe guarda o corpo e “seus últimos pertences. O maior poeta russo do século XX habitava modesto quarto num prédio de quatro andares no início da rua Myatninskaya, em pleno centro da cidade. 

O museu, disse Geneton, é singular, um dos trinta que se abriram quando o comunismo agonizava. Nele, há muito do importante na vida do poeta, desde boletins escolares e manuscritos dispersos de maneira incrível, cadeiras suspensas no ar, uma estante de vidros quebrados parecendo enterrada no chão. 

Muito surrealismo, muita evocação. Há uma porta de cadeia, maneira encontrada pelos organizadores do museu para contar que o poeta estivera detrás das grades nove meses, acusado de ajudar presos políticos. Quem tiver cuidado localizará um dossiê policial da primeira década do século.

Ao lado do quarto, o chão pintado de amarelo, com portas vermelhas e entreabertas. A guia era, ou ainda é, Maria Leonietvna, de 74 anos, professora aposentada.

Ela observa que a célebre e temida KGB era contrária, “por motivos de segurança”, à instalação do museu, ninguém poderia ingressar naquele lugar perigoso, no país conflagrado as primeiras décadas do século.

A guia relata: “Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a Idea de Deus. Rejeitava o Estado, mas serviu ao Estado”. Stálin se sentiu dele enciumado, por escrever um poema dedicado a Lênin. Ao anistiá-lo, pensou que Maiakóvski faria também um em seu louvor, o que não aconteceu.

O final do amigo poeta foi ainda mais trágico: Iessienin escreveu versos com o próprio sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Após cortar os pulsos, enforcou-se e desfaleceu.

Ao poeta que antes partira, Maiahóvski comentara: “É preciso arrancar alegria do futuro. Nesta vida, morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu ofício!” 

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