Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Fazendo o homem

Publicado em 31/01/2022 às 19:48.Atualizado em 01/02/2022 às 00:28.

Já estamos percorrendo o segundo mês do ano, quando ainda parecem acesas as velas no presépio do Natal passado. Nem dois meses transitaram pelos calendários e já recebemos a tristeza que há nos semblantes e a dor que mora nos corações. É muito triste porque sequer substituímos as páginas que marcam os dois primeiros meses de um ano, que queríamos e precisávamos que fosse menos rude para os que já passaram por tantas experiências ásperas.

É, assim, o tempo, o mundo, este nosso mundo, que promete, mas não cumpre. Feridas ainda estão abertas em muitos lares e os sobreviventes reclamarão certamente dos males enfrentados, entre os quais as das enfermidades que não cumpre, isoladamente, enfrentar.

Desafios indesviáveis à frente não ocultam a dúvida ou os temores dos que não tem salário para suprir-lhes os pratos ou cuja remuneração seja insuficiente para tranquilizar os reclamos do corpo insatisfeito.

Mas há aqueles que podem gabar-se, os que utilizam de cargos e concessões para contentar todas as necessidades vitais, e muito mais do que isso até. Há muitos privilégios e encantos de múltipla natureza que se prestam a alegar mais do que os órgãos digestivos.

Não existe igualdade, porém. E reclamamos, choramos, neste ainda fevereiro de 2022, lembrando Anderson Braga Horta, mineiro da Zona da Mata, poeta, contista, tradutor, detentor de dezenas de prêmios Brasil afora ou fora dele, que acaba de ser lançado em edição  português-alemão, com versos traduzidos por Curt Meyer-Clason (Tagore Editora), nada menos de quem traduziu à língua de Goethe o “Grande Sertão, Veredas”.

O título é Círculo de Família, isto é Familienkrei, “Criança chorando”, isto é Weinendes Kinf”. O texto se presta perfeitamente à hora e as circunstâncias, nos dois idiomas: “Teu prato abala as raízes da noite. Tuas lágrimas reanimam a velha metáfora e molham consteladamente o lençol. 

Da obscuridade da tua fome e de  teu desamparo, clamas pelo dia, o teu dia,  quando fraldas e cueiros serão retratos esquecidos no álbum e mamadeiras e chupetas te farão sorrir sobre outros berços. Da noite do ventre materno saíste para  a  penumbra e choras.

Tão pequeno e já franzes a testa. Porventura sabes quanto pranto é preciso para fazer-se um homem e te constróis impacientemente”.

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