Apodrecimento mental e cultural, o efeito 'brain rot'

Publicado em 13/03/2025 às 06:00.

Ângela Mathylde Soares*


Quem atualmente pode dizer que não é afetado, mesmo que indiretamente, pelas telas? Disponíveis em celulares, televisores e outros aparelhos eletrônicos, é praticamente impossível ignorá-las, assim como seus efeitos, provocando diversas discussões sobre as consequências do uso constante e, até mesmo, envolvidas na escolha da palavra do ano.

Segundo o dicionário de Oxford, que anualmente anuncia a palavra ou expressão que define o espírito do último ano, “brain rot” seria o mais adequado para explicar 2024. O significado em português, “cérebro podre”, demonstra a preocupação, não apenas de especialistas, sobre o futuro das pessoas, destacadamente os jovens, pelo uso frequente dos aparelhos e tudo o que ofertam (ou deixam de ofertar).

Ao buscar mais explicações sobre a escolha, a definição indica a deterioração mental ou intelectual pelo uso constante de conteúdo superficial, que pouco força o cérebro a trabalhar. O termo teria sido usado pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, de Henry David Thoreau, em um contexto bastante diferente dessa sociedade do século 21. No texto, o autor questionava a falta de valorização de ideias complexas.

A superficialidade seria vista, sobretudo, nas redes sociais, sendo que existem diversos canais atualmente - contudo, alguns dos mais populares são o TikTok, Instagram, Facebook, X (antigo Twitter) e o YouTube. Um dos conteúdos mais acessados nesses canais são os vídeos, apresentando banalidades cotidianas, dancinhas - com músicas muitas vezes inapropriadas para um público jovem - desafios, piadas, viagens e compras, entre outros.

A pandemia contribuiu para a popularização desses meios, que já eram bastante consumidos. Agora, quando a nova geração tem dúvida sobre um determinado tipo de conteúdo, é muito mais natural buscar a informação em um vídeo do TikTok que no Google, outra plataforma digital. 

O motivo está ligado à dinâmica e ao tempo de duração dos vídeos, outra herança pós pandemia. Os vídeos se tornaram mais curtos, os áudios e até mesmo séries podem ser acelerados, porque tempo é dinheiro - ou, ao menos, garante mais oportunidade para ver outros tipos de entretenimento.

Contudo, não é preciso estar nas redes sociais e internet para perceber que a tendência dos seres humanos era de, aos poucos, deixar o cérebro apodrecer. Antes dos celulares, as calculadoras já existiam para facilitar as contas ao fazer compras ou dar troco em um comércio e, ao longo dos anos, outros aparelhos foram sendo desenvolvidos para facilitar o cotidiano, cada vez mais corrido.

Com a existência das telas, objetos como livros se tornaram cada vez mais obsoletos, mesmo sendo tão importantes - afinal, permitem aprender coisas novas, como palavras e acontecimentos, e ainda promovem a imaginação, criatividade, mentalização e a antecipação. 

Qual é o resultado do excesso de exposição a conteúdos “fúteis”? O “apodrecimento” cerebral acompanhado de problemas comprometedores da saúde mental, como a falta de autoestima, comparações, ansiedade e  depressão.

Entretanto, apesar do efeito negativo, o celular também oferece diferentes maneiras de trabalhar o cérebro. A loja de aplicativos dos dispositivos dispõe de uma série de opções de jogos, como caça-palavras, que são a “ginástica” do cérebro, com capacidade para melhorar a memória, atenção e outras habilidades cognitivas importantes no cotidiano. 

Aprender uma nova língua é outra opção indicada e pode ser feita virtual ou presencialmente. Se o desejo é realmente se afastar de telas, as opções de jogos também estão disponíveis fisicamente, com revistas encontradas em bancas de jornal, livros e quebra-cabeças, por exemplo.

O segredo para um uso saudável dos celulares está no controle, dica para todas as idades. Atualmente, é difícil ver uma criança se divertindo com brinquedos de verdade e outros companheiros, distraindo-se com coisas aleatórias - grande parte sequer tem paciência de esperar. No entanto, os mais velhos também demonstram estar sendo afetados, basta ver as reclamações de filhos por falta de atenção e até mesmo a falta de educação citada por pessoas próximas ou desconhecidas.

O filósofo norte-americano Marshall McLuhan já defendia, no século 20, que os meios de comunicação seriam a extensão do homem, de coisas que a natureza não o permitiam fazer, como conversar com alguém a quilômetros de distância. Mas será que ele pensava em tamanho efeito, distração, alienação e apodrecimento mental?

*Neurocientista, psicanalista e psicopedagoga

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