Cannabis sativa: de vilã a protagonista

Publicado em 12/07/2022 às 06:00.

Ana Paula Corrêa Oliveira Bahia*

A Cannabis sativa é uma planta da espécie Cannabaceae, que teve sua origem na índia, mas hoje é encontrada em todas as partes do mundo. Comumente conhecida como maconha, essa planta desperta interesses pois, ao ser consumida na forma de cigarros ou ingerida com alimentos, apresenta efeitos alucinógenos. No Brasil, assim como em diversos outros países, o consumo, o plantio e a comercialização de maconha têm seu uso proibido por lei.

Nos últimos anos essa planta tem despertado um grande interesse da comunidade cientifica, mostrado através do crescimento de 1.200% na quantidade de artigos publicados entre os anos de 2011 a 2021. Esse interesse faz muito sentido devido às propriedades farmacológicas de alguns constituintes químicos presentes nessa planta.

Assim como todas as plantas, a Canabis sativa apresenta na sua constituição diversos compostos químicos de diferentes classes como monoterpenos, sesquiterpenos, flavonoides, esteroides, compostos nitrogenados, além dos canabinoides. Em relação à classe dos canabinoides, já formam identificados mais de 100 compostos, sendo que o ∆9-tetrahidrocnabinol (Δ9-THC) e o canabidiol (CBD) são os mais importantes.

O Δ9-THC é um composto psicoativo que atua como agonista do receptor canabinoide do tipo CBD1, presente nos neurônios pre-sinápticos. No Sistema Nervoso Central esse composto promove disforia, alucinações, pensamento anormal, despersonalização, aumento de apetite e sonolência. Devido aos efeitos psicoativos e alta chance de intoxicação, o Δ9-THC não é usado farmacologicamente.

O CBD é um composto que não apresenta propriedades psicoativas. Ele não atua diretamente nos receptores canabinoides dos tipos CBD1 e CBD2 e sua ação se dá através da inibição da recaptação de endocanabinoides, da ligação com outros receptores e aumento dos níveis de serotonina na fenda sináptica.

Atualmente diversos artigos científicos têm mostrado as ações farmacológicas do CBD, relatando propriedades antiepiléticas, anti-inflamatórias, ansiolíticas, neuroprotetoras e antinociceptivas. É usada para tratamento de dores crônicas, espasmos musculares, náusea e vômitos em pacientes sob tratamento de câncer, insônia, epilepsia, Doença de Parkinson, psicose, ansiedade e esquizofrenia.

Em relação aos efeitos colaterais e a segurança, os estudos mostraram que o uso do CBD é relativamente seguro. Doses de CBD de 300mg por dia durante 6 meses mostraram ser seguras para o uso em humanos.

A legislação brasileira liberou a importação, comercialização e produção de medicamentos contendo CBD e Δ9-THC (na concentração máxima de 0,2%) a partir de 2020. Vale ressaltar que é necessário receita médica azul para aquisição dos medicamentos com canabidiol.

Apesar do grande número de artigos publicados na área, os medicamentos ainda apresentam alto custo, inviabilizando o seu uso pela maioria da população. Esperamos que com a liberação do cultivo da planta para fins medicinais e industriais esse custo reduza e permita a ampliação do uso.

*Farmacêutica, Doutora em Ciências Biológicas: Fisiologia e Farmacologia e professora de Psicofarmacologia do Curso de Psicologia da Faculdade Promove e Kennedy.

Referências Bibliogáficas1 Mohamed M. Radwan, Mahmoud A. ElSohly, Abir T. El-Alfy, Safwat A. Ahmed, Desmond Slade, Afeef S. Husni, Susan P. Manly, Lisa Wilson, Suzanne Seale, Stephen J. Cutler and Samir A. Ross. Isolation and Pharmacological Evaluation of Minor Cannabinoids from High-Potency Cannabis sativa. Journal of Natural Products, volume 78 (6), p 1271–1276, 2015. doi:10.1021/acs.jnatprod.5b00065.

2 Orrin Devinsky, Maria Roberta Cilio, Helen Cross, Javier Fernandez-Ruiz, Jacqueline French, Charlotte Hill, Russell Katz5, Vincenzo Di Marzo, Didier Jutras-Aswad, William George Notcutt, Jose Martinez-Orgado, Philip J. Robson, Brian G. Rohrback, Elizabeth Thiele, Benjamin Whalley, and Daniel Friedman. Cannabidiol: Pharmacology and potential therapeutic role in epilepsy and other neuropsychiatric disorders. Epilepsia, vol. 55(6, p 791–802, 2014. doi:10.1111/epi.12631.

3 Harrison J. VanDolah, BA; Brent A. Bauer, MD; and Karen F. Mauck, MD. Clinicians’ Guide to Cannabidiol and Hemp Oils. Mayo Clinical Procediment, vol. 94(9), p:1840-1851, 2019.

4 Karine Vandressa Pernoncini, Rubia Maria Monteiro Weffort de Oliveira. Usos terapêuticos potenciais do canabidiol obtido da Cannabis sativa. Revista UNINGA Review, vol. 20 (3), p 101-106, 2014.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por