Petrus Evangelista*
Todo mundo já falou com uma IA. Alguns juram que ela entende. Outros só querem que o ChatGPT responda direito, sem soar como quem preenche formulário do Detran.
Pois há uma receita simples pra isso e começa aceitando o óbvio: a máquina não entende nada.
Pense num papagaio educado que repete tudo que ouve. Fala bonito, cita Drummond, mas se você pergunta se gosta de feijão, trava. Conversar com IA é lidar com essa mistura de genialidade e vazio. A diferença é que ela pode te ajudar, se você souber pedir.
1. A persona: o especialista que nunca se irrita
Antes de digitar qualquer coisa, pense: quem você quer que a IA seja?
Ela pode atuar como professor paciente, consultor financeiro ou nerd do Excel. Diga isso.
“Fale como especialista em contas a pagar e receber, mestre no Excel”. Pronto, o papagaio veste terno e fala de planilhas com propriedade.
Definir a persona muda o foco, não o conhecimento da IA. É como escolher filtro de foto: o conteúdo é o mesmo, mas o clima muda.
Se você não define, ela escolhe, geralmente o “consultor corporativo tentando ser simpático”.
2. A tarefa: o mapa da conversa
A IA é boa em uma coisa: seguir instruções com fé cega.
Peça “escreva um artigo” e ela obedece, mas sem direção o resultado é genérico.
O truque é pensar como diretor de cinema: “luz baixa, plano fechado, suspense”.
No caso da IA: “explique como se eu tivesse 10 anos”, “dê 5 ideias práticas”, “traga exemplos reais”.
Quer ver a diferença?
Em vez de “me ajude com marketing”, tente:
“Crie três ideias de post para uma cafeteria local, tom descontraído, público jovem”.
A resposta muda completamente e faz sentido.
3. O contexto: o que ela não sabe, você conta
IAs vivem num eterno déjà-vu. Só conhecem o que leram até certo ponto.
Quer que comentem o jogo de ontem? Vão inventar o placar com a autoconfiança de tio de boteco.
Por isso, alimente o contexto.
Explique o cenário, o público, o objetivo. Pense nela como ator talentoso, mas perdido no roteiro:
“A história se passa em 2025, o público é brasileiro, o humor é leve”.
Quanto mais contexto, menos improviso ruim.
4. Clareza: o antídoto contra o delírio
A IA não erra por malícia, mas por convicção.
Prefere inventar uma resposta bonita a admitir que não sabe.
Então, seja claro:
“Responda apenas com dados confirmados”.
Ou o contrário: “Use imaginação e crie livremente”.
Ela não adivinha sua intenção. E se você não define, ela escolhe o caminho mais provável, quase nunca o que você queria.
Quanto mais preciso o pedido, mais surpreendente o resultado.
5. O tom: o tempero da conversa
Conversar com IA sem humor é como jantar com quem só fala de imposto de renda.
O tom transforma uma resposta técnica em diálogo humano.
Peça: “explique como comediante cansado”, “resuma em estilo de crônica” ou “use tom direto, mas respeitoso”.
Ao reescrever um e-mail delicado, o tom pode ser a diferença entre parecer grosso ou assertivo.
E sim, dá pra pedir isso: “tom formal e cordial”.
A empatia vem do tom — e é ela que faz o algoritmo soar quase humano.
6. O limite: onde a mágica acaba
Toda IA tem ponto cego. Pode citar Nietzsche e errar 7×8.
O segredo não é confiar cegamente, é colaborar.
Trate a IA como estagiário brilhante, mas sem noção de realidade: ajuda, mas precisa de supervisão.
Revise, ajuste, questione.
Ela não substitui seu raciocínio, amplia.
Usar IA não é terceirizar o pensamento; é conversar com uma lupa ligada.
7. A conversa: onde nasce o sentido
Falar com IA é menos pedir respostas e mais aprender a fazer perguntas.
É exercício de paciência, clareza e curiosidade.
Veja o resultado, peça ajustes, refine. Igual a um diálogo real, só que mais rápido e sem cheiro de café requentado.
No fim, essas máquinas só aprenderam com a gente.
E talvez o que mais revelem não seja o quanto são inteligentes, mas o quanto nós repetimos padrões.
Se a IA soa humana, talvez seja porque a gente é quem anda previsível demais. Que somos previsíveis.
Então, da próxima vez que abrir o chat, não pense em “usar uma ferramenta”. Pense em ensinar um papagaio a responder certo, com paciência, humor e um bom dicionário à mão.
Afinal, conversar com inteligência artificial é, ironicamente, o exercício mais humano que temos: tentar ser entendido.
*Gestor de Arquitetura, Dados e IA na TOTVS