Compartilhar os cuidados: um desafio necessário para proteger a maternidade

Publicado em 26/05/2025 às 06:00.

Camilla Bemergui*

A proteção à maternidade, historicamente entendida como um conjunto de direitos voltados à mulher gestante e lactante, precisa evoluir para abarcar, de forma mais ampla, a ideia de cuidado compartilhado. Afinal, o que está em jogo é o bem-estar da criança — um direito constitucional — e a dignidade das pessoas responsáveis por esse cuidado, independentemente de seu gênero ou da composição familiar.

As normas legais já sinalizam essa mudança de paradigma. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estende à mãe adotiva os mesmos direitos garantidos à mãe biológica, e também prevê a concessão de licença-maternidade à pessoa que assume os cuidados da criança na ausência da mãe. São avanços importantes, mas ainda insuficientes frente à realidade de um mercado de trabalho que, na prática, penaliza quem materna.

Um dos pontos críticos é a dificuldade de retorno ao trabalho após a licença-maternidade. A falta de estrutura para o acolhimento das crianças pequenas, como creches ou convênios com instituições especializadas, recai como um fardo sobre a trabalhadora. Isso agrava desigualdades de gênero, sobretudo quando não há políticas empresariais voltadas ao apoio do cuidado familiar — como horários flexíveis, licenças mais equitativas ou incentivos à participação masculina na rotina dos filhos.

Outro aspecto relevante está na disparidade salarial entre mulheres e homens. A recente Lei nº 14.611/2023, que trata da igualdade salarial, vai além da equiparação de remuneração ao exigir ações afirmativas que promovam a equidade nas oportunidades. Isso implica reconhecer que a divisão do cuidado com os filhos é um fator determinante para o sucesso profissional das mulheres — e que a omissão das empresas nesse ponto contribui diretamente para a desigualdade de gênero.

A “penalização da maternidade”, como se vê, não é um conceito abstrato. Ela aparece nos dados: muitas demissões ou pedidos de desligamento ocorrem logo após o fim da licença-maternidade, indicando que a reinserção da mulher no trabalho ainda é frágil. Tal fragilidade, aliás, não encontra justificativa legal nem moral, pois o cuidado com os filhos não é — e não deve ser — responsabilidade exclusiva das mães. Como afirma a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), educar filhos é responsabilidade compartilhada entre homens, mulheres e a sociedade como um todo.

É preciso, portanto, repensar a forma como as instituições, empresas e a própria legislação abordam a maternidade e o cuidado com a infância. A proteção legal não deve se restringir à figura da mãe biológica, mas sim se estender a todas as pessoas que exercem o papel de cuidado — sejam pais, mães adotivas ou outros cuidadores legais. Isso é essencial para que a equidade de gênero deixe de ser um ideal e se torne, de fato, uma prática.

O futuro do trabalho, mais justo e inclusivo, passa pela valorização do cuidado. E cuidar não é um dever de poucos, mas uma responsabilidade coletiva.

A Delegacia Sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (DS-MG/SINAIT) é uma entidade que apoia iniciativas voltadas para a proteção e valorização das mães e de todas as pessoas responsáveis pelos cuidados com a prole, independentemente de sua composição familiar.

*Auditora-fiscal do Trabalho

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