Marcelo Aith*
O governo dos Estados Unidos anunciou, nesta quarta-feira (30), a inclusão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista de indivíduos sancionados pela Lei Global Magnitsky. A medida foi oficializada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), agência vinculada ao Departamento do Tesouro americano.
A sanção impõe severas restrições financeiras e de viagem ao ministro, configurando uma das mais duras ações diplomáticas que podem ser tomadas por Washington contra uma autoridade estrangeira.
A Lei Global Magnitsky sobre Responsabilidade de Direitos Humanos é uma legislação norte-americana que permite ao Poder Executivo impor sanções a indivíduos e entidades estrangeiras implicados em graves violações de direitos humanos ou em atos significativos de corrupção.
Criada originalmente em 2012 para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky — que denunciou um esquema de corrupção e morreu na prisão —, a lei foi expandida em 2016 para ser aplicada globalmente.
As sanções previstas pela legislação incluem:
- Congelamento de ativos: todos os bens e interesses do indivíduo sob jurisdição dos EUA são bloqueados;
- Proibição de entrada nos EUA: a pessoa sancionada torna-se inelegível para obter visto e entrar no país;
- Isolamento financeiro: cidadãos e empresas americanas ficam proibidos de realizar transações com o indivíduo, isolando-o do sistema financeiro dos EUA.
Em nota oficial, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que a decisão foi motivada por ações que, segundo o governo americano, minam a democracia e os direitos fundamentais: “Alexandre de Moraes assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras”, declarou Bessent.
O comunicado acusa o ministro de ser responsável por uma “campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados”. A nota cita especificamente sua atuação em processos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A declaração do Tesouro americano reforça o posicionamento dos EUA: “A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos”. A quais cidadãos os americanos se referem? Aos Bolsonaros e seus seguidores?
A decisão dos Estados Unidos de incluir o ministro Alexandre de Moraes na lista da Lei Magnitsky vai muito além de uma simples sinalização diplomática. Trata-se de uma ação com consequências práticas e imediatas, que visa impor um isolamento financeiro, político e pessoal — o que analistas têm descrito como uma “morte civil” no cenário internacional.
Internamente, a sanção funciona como combustível de alta octanagem para a polarização política. Para críticos do ministro e do STF, a medida representa a validação internacional da narrativa de que há autoritarismo e perseguição política em curso. A decisão arma a oposição com um argumento poderoso, que será amplamente explorado no debate público e no Congresso Nacional.
Para o STF, trata-se de uma crise institucional sem precedentes. A sanção a um de seus membros por uma potência aliada coloca a Corte sob intensa pressão, questionando a legitimidade de suas ações no cenário internacional e podendo aprofundar divisões internas sobre os limites do ativismo judicial.
Um dos alvos mais notórios da Lei Magnitsky é Ramzan Kadyrov, líder da República da Chechênia, uma subdivisão federal da Rússia. Aliado próximo de Vladimir Putin, Kadyrov foi sancionado em 2017 por "graves violações de direitos humanos". O Departamento de Estado dos EUA o acusou de chefiar uma administração envolvida em desaparecimentos forçados, tortura, execuções extrajudiciais e, especialmente, uma campanha de “expurgo” contra a população LGBTQIA+ na região. As sanções visaram isolá-lo e atingir seus associados economicamente.
A situação de Alexandre de Moraes é absolutamente distinta. As acusações contra ele estão diretamente ligadas ao enfrentamento de práticas antidemocráticas no contexto da atuação política do ex-presidente Jair Bolsonaro. Tratar isso como uma violação de direitos humanos justifica-se apenas sob uma leitura ideológica.
Trata-se de uma clara interferência externa em assuntos internos — uma tentativa de impor, de forma transversal, a força de uma potência sobre a soberania de outro país.
O mais preocupante é que há brasileiros com mandato fazendo de tudo para ampliar essa crise interna. Estão eles pensando no interesse do povo brasileiro — na "pátria amada" — ou apenas em seus próprios interesses políticos?
Termino com um trecho do poema No Caminho, com Maiakóvski, de Eduardo Alves da Costa:
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
* Advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.