Anamaria Batista Nogueira*
Notícias que fomentam a mídia nos últimos meses no Brasil, como estupro de mulheres, são cada vez mais frequentes. Apavorante foi o estupro de uma paciente durante os procedimentos de sua cesárea no Rio de Janeiro, por um médico anestesista. Outro caso chocante aconteceu em Santa Catarina, onde uma menina de 11 anos além de ter sido estuprada, o que resultou em uma gestação de risco, fora impedida judicialmente de abortar por determinado período. Já na Universidade de Brasília, a vítima foi uma estudante de 18 anos.
Ao acompanhar a mídia junto à estatística é comum nos certificarmos do crescimento de crimes sexuais contra mulheres e vulneráveis ao longo das décadas, como consta no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. Essa modalidade de violência não é de exclusividade do Brasil, estando presente na vida cotidiana do ocidente ao oriente. Basta pesquisarem tal incidência em qualquer continente e constatarão!
O estupro contra as mulheres não prolifera apenas em noticiários jornalísticos, mas também na arte por meio de filmes, peças de teatro, séries e quando não é o tema principal, se faz coadjuvante. Deem uma espiadinha nos filmes “A cor púrpura” de Spielberg (1985), no polêmico “Cama de gato” de Stockler (2002) ou no clássico “Os embalos de sábado à noite” de Badham (1977). Há também a peça teatral “Neste mundo louco, nesta noite brilhante” de Gomez (2019) e a rústica série “Vikings” de Hirst (2013). Nestas é evidente um misto de naturalização e transgressão do gozo com o corpo das mulheres.
- Como separar a cultura do psiquismo?
- Diante de tais evidências seria mesmo interessante equiparar o estupro de mulheres ao fetiche?
- O que é um fetiche? “O significado do fetiche não é conhecido por outras pessoas e por isso não o recusam; ele é facilmente acessível e é cômodo alcançar a satisfação sexual a ele ligada” (Freud, 1927/2020, p.318).
Apesar do fetichista conseguir sem maiores esforços o seu acesso ao gozo, o que caracterizaria um estuprador de mulheres, há certo consentimento social na prática desse tipo de estupro, o que é constatado por sua multiplicidade de atos e por sua representatividade muitas vezes dúbia na arte cinematográfica e na mídia em geral.
O estupro de mulheres é uma forma sintomática social, ou seja, trata-se de um gozo fomentado, permitido e assentado socialmente desde os primórdios dos tempos. Nele, há uma generalização irresponsável pelo próprio gozo, visto que o estuprador não faz laço com a vítima. Portanto, o estupro de mulheres faz parte de um sistema social estrutural!
Para quebrar paradigmas e vislumbrar a alteridade entre os papéis sociais, sugiro o divertido filme “Eu não sou um homem fácil” e o livro “O feminismo é feminino?”, de orientação lacaniana.
*Professora, doutora em Psicologia/Estudos Psicanalíticos, Psicóloga Clínica, professora e pesquisadora acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade Promove.