Exu nos estádios

Marcelo Batista
Publicado em 18/08/2022 às 06:00.

A Copa do Mundo do Catar 2022 promete muitas discussões a respeito de diversos assuntos relativos à diversidade. Após debates a respeito do veto às manifestações como o uso de arco-íris nos estádios, o que foi considerado por muitos como um ato homofóbico, no momento atual a polêmica recai sobre a camisa da seleção brasileira. A já tradicional camisa do Brasil, que tem sido tratada como símbolo político há alguns anos, agora é alvo de uma nova discussão, religiosa.

O debate tomou corpo com o influencer Felipe Neto, ao afirmar que a Nike passou a proibir o que ela considerou manifestações políticas e religiosas na personalização da camisa. Ficou proibido pela empresa o uso, na camisa, de termos como “Exu” e “Ogum, mas ao mesmo tempo é possível colocar palavras como “Jesus” e “Cristo”. A palavra “Jesus” é justificável, devido ao sobrenome do atacante Gabriel Jesus, mas por que permitir “Cristo” e não aceitar outras palavras que remetam a religiões de matriz africana?

A mesma Seleção Brasileira no ano passado teve a imagem de Oxóssi tratada de uma forma bem diferente, com o jogador Paulinho, do Bayern Leverkusen. Após fazer um gol pela seleção, o atleta lançou uma flecha imaginária em homenagem ao seu orixá e contra todo tipo de intolerância religiosa. E se ele estivesse convocado para a Copa, será que a fornecedora de material esportivo abriria alguma exceção?

Mas se engana quem pensa que o preconceito começa somente no esporte. Alguém que lê essa coluna estudou em alguma instituição declaradamente umbandista ou candomblecista, por exemplo? Certamente não. Mas tenho certeza que muitos, assim como eu, estudaram em instituições católicas, que muitas vezes nem mesmo mencionam a existência das outras religiões, salvo em momentos em que são tratadas de maneira pejorativa, ao se falar de “macumba” ou sobre possíveis bizarrices que relacionam referências “demoníacas” a religiões de matriz africana.

Esse tipo de postura educacional é seguida persistentemente, mesmo que a lei 10.639, em vigor há quase 20 anos coloque como obrigatório o ensino sobre cultura afro-brasileira nas instituições de ensino. O que é efetivamente tratado a respeito da cultura africana nas escolas? O que é mais comum no cotidiano é a discussão, por exemplo, sobre a questão da escravidão e uma insistente ideia da inferiorização dos povos africanos, o que é extremamente preocupante e gera a naturalização e o conformismo diante de situações como a da Nike na camisa da seleção.

Essa mesma temática é tratado pela mitológica Elza Soares na letra de “Exu nas escolas”, na qual ela problematiza essa inexistência de discussão e até mesmo a distorção da imagem do orixá, retomado como a própria figura do demônio por aqueles que ignoram as religiões de matriz africana. Deus seja louvado na nota de real? Pode. Bancada religiosa? Pode também. Escola Cristã? Também. Exu na escolas ou na camisa da seleção? Nem pensar.

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