Geovana Santos*
Um cotidiano impactado pelo virtual é o cenário em que se encontram centenas de famílias. A realidade altera a dinâmica familiar, muitas vezes comprometendo o relacionamento entre pais, responsáveis e filhos. A internet, com suas atualizações instantâneas, conexões múltiplas e influências de todos os tipos impacta a realidade da juventude. Uma pesquisa do Datafolha apontou que a maioria das famílias brasileiras acredita que crianças com menos de 14 anos não devem possuir celular ou acessar redes sociais.
O estudo revelou que 76% dos pais consideram que menores de 14 anos não devem acessar Instagram, TikTok, Kwai e Discord sem supervisão. Além disso, o mesmo percentual de responsáveis acredita que esse grupo também não deve assistir vídeos no YouTube, Netflix e Amazon Prime sem supervisão.
Infelizmente, é um grande esforço aceitar o tempo lento ou pisar no freio da rotina para vivenciar uma tarde calma, a refeição em família e a escuta de histórias que pedem atenção e não podem ser aceleradas. Na relação com os jovens, essa realidade tem um peso ainda maior, pois os momentos construídos em tranquilidade e desconexão com o mundo externo podem significar muito. Eles podem mudar visões de mundo, escolhas e, com certeza, se transformarão em memórias preciosas.
É importante que pais, mães, tios(as), padrinhos(as), avós, avôs e irmãos compreendam que, em tempos confusos - e a juventude é, tradicionalmente, uma temporada dessas – os membros da família podem ser como um farol a iluminar um caminho. Mais do que isso, eles podem mudar o ritmo e a maneira como esses jovens percebem o contexto, seus problemas e a si mesmos.
Recordei que, na década de 1990, não existiam tantas academias, salpicadas em várias ruas de um mesmo bairro. O ambiente era escasso e frequentado por homens que buscavam se ajudar para montar os treinos, majoritariamente de regatas e, na minha cabeça, todos fãs de Arnold Schwarzenegger. Meu pai já fazia musculação naquela época e, eventualmente, me levava com ele para a academia.
Antes, ele passava em uma banca de jornal, comprava alguns gibis da Turma da Mônica e me deixava quietinha na academia, lendo e observando o ambiente. Os filhos únicos, como eu, eram excelentes observadores naquela época, em que não havia celular. Eu achava tedioso, mas também achava legal - meu pai me levar para fazer parte de um momento que era dele. O tempo passava devagar, mas estávamos juntos e isso parecia importante.
O fato é que meu pai naturalizou esse ambiente pra mim e me incentivou a praticar atividade física mais tarde. Alguns raros dias, no início da minha adolescência, aconteceram oportunidades, inclusive, de treinarmos juntos e, só agora, consigo vislumbrar o malabarismo que isso exigiu na rotina dele para me propiciar essa situação.
Ter força para carregar meu filho, até quando ele possa também me carregar, é outra meta que agora tenho e que me parece mais alcançável pelas ferramentas que meu pai me entregou lá atrás. Ter energia para compartilhar o mundo com ele, correr juntos, ensiná-lo a ter postura, pelo exemplo. Todas essas questões me ocorrem e são floreios de algo que cresci vendo e fazendo e que também aprendi com o exemplo.
A juventude é um período crítico na formação de identidade, hábitos e valores. Conviver com pessoas de confiança nesse contexto pode mudar tudo. É sobre isso que o livro infantojuvenil “O Pijama de Nina” nos inspira a refletir. Sobre como conciliar aconchego e crescimento e como as referências, na juventude, têm papel inestimável, especialmente nos tempos atuais.
* Escritora mineira, autora de “O Pijama de Nina”