O livro como arma política

Publicado em 04/04/2022 às 06:00.

Álamo Chaves*

Uma das frases de maior destaque na manifestação de 15 de maio de 2019 foi “eu me armo de livros e me livro de armas”. À época, manifestantes protestavam contra cortes na educação que ocorrem em todos os Estados. A frase, no entanto, fazia alusão ao decreto do presidente Jair Bolsonaro que havia entrado em vigor um mês antes, no qual ampliava o acesso a armas de fogo e dificultava o controle do Exército sobre esses equipamentos. Embora a repulsa do atual governo pela cultura e educação nunca tenha sido segredo, a cada dia o presidente e seus aliados surpreendem negativamente os brasileiros, principalmente aqueles que se dedicam a algum destes dois segmentos.

Em dezembro do ano passado, por exemplo, não passou incólume a desfeita que Bolsonaro fez a um apoiador que lhe havia presenteado com um livro. “Desculpa, eu não tenho tempo de ler, não. Tem três anos que não leio um livro”, afirmou ao receber o presente. Em janeiro de 2020, disse sobre os livros didáticos: “Os livros hoje em dia, como regra, é um amontoado... Muita coisa escrita, tem que suavizar aquilo”. E em fevereiro do mesmo ano, decidiu reduzir pela metade a biblioteca do Planalto a fim de abrigar uma sala para sua esposa coordenar o projeto “Pátria Voluntária”.

Os aliados de Bolsonaro também não deixam a desejar. Em junho do ano passado, a Fundação Cultural Palmares anunciou, sem justificativa plausível, sua intenção de descartar pelo menos 5.300 livros de seu acervo. Entre os autores excluídos, H. G. Wells, Simone de Beauvoir, Hobsbawm, Marilena Chauí, Durkheim, Gramsci, Rosa Luxemburgo e Carlos Marighella.

A Receita Federal, órgão ligado ao Ministério da Economia, por sua vez, propôs, em abril de 2021, o aumento das tributações sobre livros argumentando que os pobres não leem. Seguindo na contramão da Constituição, a pasta tentou - e ainda tenta, embora não seja mais sua prioridade - acabar com o benefício que reduz o custo na produção de livros e arrecadar, ao menos, 12% da receita bruta das editoras.

Diante de tanto descalabro, portanto, não falta gente querendo se aproveitar da estupidez do presidente no que se refere às artes e cultura. O primeiro foi Luiz Henrique Mandetta. O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro e agora desafeto do presidente fez um aceno ao campo das letras ao lançar, em 2020, “Um paciente chamado Brasil” logo após ter sido exonerado da pasta. Seguindo seu exemplo, Sergio Moro, também aliado de primeira hora de Bolsonaro e agora seu desafeto, escreveu “Contra o sistema da corrupção” tão logo deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Mais recentemente, foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva. Embora já tenha gesticulado a favor da educação e da cultura anteriormente, resolveu alfinetar Bolsonaro: “O brasileiro precisa compreender que ter livro é melhor do que ter arma”, afirmou em certa ocasião.

Ainda que o Brasil enfrente um desmonte da cultura e da educação, é nítido que se apresentar como um leitor voraz continua sendo cult. E, em um contexto de eleição, no qual o candidato que rechaça o conhecimento tem índices cada vez maiores de rejeição, o enaltecimento da sapiência, felizmente, tende a ser mais comum.

*Presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região Minas Gerais e Espírito Santo (CRB-6)

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por