Proteção do nascituro: a garantia de justiça nas decisões trabalhistas

Publicado em 11/12/2024 às 06:00.

Paula Veiga*

O sistema jurídico brasileiro reconhece e atribui ao nascituro uma série de direitos com o intuito de garantir seu desenvolvimento saudável no ambiente intrauterino e assegurar sua sobrevivência, a exemplo do artigo 2º do Código Civil brasileiro. Embora direitos como a vida e a assistência pré-natal sejam claramente reconhecidos, não há uma definição exata e completa dos direitos que competem ao nascituro, o que deixa espaço para interpretações jurídicas, dependendo do caso em questão.

Um caso ilustrativo dessa ampliação de direitos no âmbito trabalhista foi decidido pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reconheceu o direito de uma criança, ainda em gestação, a uma indenização no valor de R$ 100 mil. Isso ocorreu após o pai da criança ter sofrido um grave acidente de trabalho, resultando em sequelas físicas e neurológicas irreversíveis. O caso gerou uma importante reflexão sobre o alcance dos direitos do nascituro e sua aplicação no direito trabalhista.

A ação foi movida pela mãe da criança contra uma metalúrgica e uma igreja evangélica, onde o pai trabalhava como montador de estruturas metálicas. Durante o desempenho de suas funções, o trabalhador sofreu uma queda de aproximadamente dez metros, causando-lhe lesões graves em várias partes do corpo. Após mais de dois meses de hospitalização, o trabalhador ficou com sequelas que o impediram de desempenhar atividades cotidianas, incluindo o cuidado e o convívio com seu filho.

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, em Porto Alegre, inicialmente rejeitou o pedido de indenização, alegando que a criança, com apenas um mês de gestação, não poderia ter sido diretamente afetada pela ausência do pai no momento do acidente. Para o TRT, a criança não sofreu impactos imediatos em sua rotina, uma vez que ainda não havia nascido. No entanto, o TST reformou essa decisão, afirmando que a criança tem direito à reparação com base na proteção do Código Civil, que reconhece os direitos do nascituro desde a concepção, em conformidade com o princípio da dignidade humana.

A decisão do TST representa um marco no direito trabalhista ao considerar o sofrimento do nascituro, mesmo que não comprovado de forma direta. Embora a dor do nascituro seja de difícil comprovação, o TST entendeu que a privação de experiências essenciais para o desenvolvimento familiar, como a convivência com o pai, justifica a reparação. O ministro relator, Alberto Balazeiro, enfatizou que a dignidade humana, garantida pela Constituição, fundamenta o direito à indenização, ampliando a interpretação dos direitos de personalidade.

Esse julgamento provoca uma reflexão sobre os limites da reparação por danos morais, especialmente quando se trata de indivíduos que ainda não nasceram. Até que ponto o direito pode e deve reconhecer indenizações por danos indiretos? Como deve o direito considerar os danos emocionais e familiares antes do nascimento? Essas questões continuam a desafiar os operadores do direito, exigindo uma abordagem cuidadosa e equilibrada, para proteger os direitos do nascituro sem permitir uma expansão indiscriminada das reparações.

A decisão do TST representa um avanço significativo na proteção dos direitos do nascituro, reconhecendo a dignidade e os direitos de personalidade da criança, mesmo antes do seu nascimento. Contudo, o caso também abre a discussão sobre o alcance e a extensão desses direitos, suscitando o debate sobre os limites das indenizações em situações que envolvem danos indiretos, como é o caso do nascituro.

Há aparente evolução do direito trabalhista ao considerar a ampliação dos direitos do nascituro, especialmente no que diz respeito à proteção da convivência familiar e à reparação por danos morais. E a aplicação desses direitos mostra que a jurisprudência tem avançado na interpretação do conceito de dignidade humana, ampliando a proteção de direitos fundamentais, mesmo antes do nascimento. 

Assim, a decisão do TST oferece novas perspectivas, exigindo atenção cuidadosa por parte dos tribunais superiores e dos profissionais do direito para garantir uma aplicação equilibrada e justa da legislação.

*Coordenadora jurídica e professora mestra em Direito Privado, pela Ufop. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Ciência Política pela USP.

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