Transparência: a chave para a cultura da doação no Brasil

Publicado em 22/06/2022 às 08:22.Atualizado em 22/06/2022 às 08:22.

Natalie Melaré*

Realizar doações, seja em bens, dinheiro ou trabalho voluntário, não é algo que faz parte da rotina de muitos brasileiros. De acordo com dados do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), a situação só vem piorando: enquanto em 2015, 77% da população havia feito algum tipo de doação, no ano de 2020, quando foi realizada a última pesquisa, o percentual caiu para 66% – lembrando que se tratou de um ano atípico, com o início da pandemia e a crise socioeconômica enfrentada em todo o mundo. 

A mesma pesquisa mostrou que o efeito do coronavírus mudou as prioridades dos brasileiros quando se pensa em causas sociais. Em 2015, a causa mais apontada foi Crianças e Saúde. Já em 2020, o Combate à Fome e a Pobreza aparece em primeiro lugar, seguido por Saúde e Idosos. 

A questão principal é: o Brasil ainda é um país com uma cultura de doação fraca, ocupando o 54º lugar no Ranking Global de Solidariedade, realizado pelo Word Giving Index (WGI). O mesmo levantamento, realizado em 2021, mostrou que o país mais generoso do mundo é a Indonésia – oito em cada dez indonésios doaram dinheiro no ano passado e a taxa de voluntariado é três vezes maior que a média global. Em segundo e terceiro lugares estão Quênia e Nigéria, respectivamente. 

É controverso pensar que o povo brasileiro é internacionalmente conhecido por ser acolhedor, hospitaleiro e solidário. Quando pensamos nesse estereótipo, nos deparamos com a seguinte pergunta: por qual motivo, então, ainda não temos uma cultura da doação enraizada na sociedade civil? Na minha opinião, a resposta está relacionada a fatores como corrupção, falta de confiança e transparência do terceiro setor. 

Trabalhando em causas sociais há mais de 15 anos, percebi que as pessoas que costumam realizar doações com frequência normalmente passam esse apoio financeiro a igrejas ou organizações religiosas, ou diretamente para as pessoas necessitadas. No final das contas, o principal motivo apontado é que não possuem a certeza de que o dinheiro e/ou doação será realmente destinado ao local correto. 

Sei que vivemos em um país marcado pela corrupção, sendo compreensível e necessário que exista transparência em todos os segmentos, e isso não seria diferente no terceiro setor. Exatamente por isso, acredito tão fortemente que o trabalho dos projetos sociais e ONGs vai muito além de captar recursos financeiros e ajudar uma causa específica. É necessário divulgar o que é feito com as doações recebidas, mostrar os resultados alcançados e as mudanças conquistadas na prática, na vida das pessoas beneficiadas. 

Por mais que pareça, e realmente seja, extremamente trabalhoso prestar contas o tempo todo, é isso que ajudará a realizar uma mudança efetiva, permitindo a construção de uma cultura da doação mais consolidada. Com mais pessoas confiantes, envolvidas com doações e voluntariado, treinando um olhar cada vez mais empático, sensível e justo, é possível potencializar o impacto das ONGs e, assim, manter o crescimento sustentável das entidades, para que consigam se manter ativas e atuantes em demandas e lugares que o setor público normalmente não chega, construindo um Brasil melhor para todos.

*Fundadora do Instituto Devolver, organização sem fins lucrativos para apoiar crianças e adolescentes carentes
no Brasil

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