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Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

A Bahia não deveria existir

Publicado em 12/11/2025 às 06:00.Atualizado em 12/11/2025 às 16:30.

Seu João Xavier*

A Bahia não deveria existir. Você precisa chegar até o final deste texto para entender. E não, não estou brincando. Começo pelos motivos que serviram de gatilho para este texto vir para o papel. Na verdade, venho pensando sobre isso já há algum tempo e inclusive cheguei a falar com algumas pessoas que vou citar mais adiante, duas delas soteropolitanas.

Bom, o que aconteceu recentemente foi uma influencer paulistana que esteve em Salvador, em novembro de 25, e fez uma série de vídeos relatando que o atendimento na cidade é horrível, demorado: “[...] tudo demora. Para fazer o pedido, demora. Para trazer o pedido, demora. Para fechar a conta, demora. Para pagar a conta, demora” (sic).

Mas você se engana se acha que minha afirmação e o título deste texto têm a ver com isso. Se assim fosse, Belo Horizonte também não deveria existir, o Rio de Janeiro não deveria existir e, muito menos, São Paulo deveria existir — especialmente porque, além de demorar, os preços são mais caros que das outras três cidades juntas.

Para mim, a Bahia e, mais especificamente, Salvador, não deveriam existir porque é uma cidade extremamente arrogante. Comecemos pelo fato de nela, sozinha, haver mais pessoas negras que em qualquer outro lugar do mundo. Sim. Apenas na cidade de Salvador, segundo dados do Censo de 2022, 83,2% da população se autodeclara negra, o que representa 2.011.925 pessoas. Isso é ganância demográfica!

Tudo bem que foi a primeira capital do Brasil, fundada em 1549 por Tomé de Souza. Fundada sobre sete colinas, e isso explica parte do sobe e desce de suas ladeiras (que os moradores sobem com uma calma invejável). Eu, quando vou a Ouro Preto, subo a rua em dois momentos: paro, respiro, finjo que estou olhando algo em uma lojinha, recobro o fôlego e continuo. Isso deve explicar o par de toras de pernas que mesmo a baiana mais fraca tem. A gente olha para elas e tem certeza que, para ficar com a panturrilha daquele jeito, seria academia de 7x por semana.

O tal Elevador Lacerda... entendo que foi o primeiro elevador urbano do mundo e que segue funcionando, inaugurado em 1873, ligando a Cidade Alta à Cidade Baixa. É um dos cartões-postais mais icônicos do Brasil, com vistas para uma paisagem e um mar deslumbrantes. Mas acho exagerado. Acho bonita demais, histórica demais, colorida demais. Acho Salvador uma cidade muito forçada, sabe? Sem barulho de moto irritante, sem neblina causada por fumaça das fábricas como em São Paulo... nenhuma cidade consegue ser tão plena assim. Só pode ser macumba!

E nem venha me falar que é a paz de Deus, só porque a cidade tem mais de 360 igrejas católicas ou os seus mais de 2.800 terreiros cadastrados, segundo a estimativa da Federação Nacional de Culto Afro-Brasileiro (Fenacab). Sim, de todos os Santos, santas, orixás... se vem na paz, com certeza vai ser bem recebido lá. Porque se tem uma coisa que o baiano não faz é atacar os outros. Você por acaso já viu um baiano ou baiana atacando alguém, causando confusão, polemizando negativamente? Eu nunca! Deve ser todo esse axé...

E, falando em axé, nem vou entrar na questão musical, pois já me sobe um trem doido e uma vontade de fazer um sei lá, movimento do Léo, movimento do Léo, tchubirabiron, porque eu falei Faraooooooó! Isso sem esquecer Luiz Caldas, Margareth, Ivete, Xênia França, Luedji Luna, Caetano, Gil, Gal, Bethânia...

Para mim, a Bahia não devia existir sozinha. Deveria se juntar a Minas Gerais e formarmos o Bahia Gerais ou Minas Bahia. Nossa capital poderia ser Belo Salvador — foi a melhor junção que achei. Conversei com a Calila Mercês para convencê-la disso. Prometi que poderíamos trabalhar juntos em um novo acordo linguístico e juntar: “Lá ele, sô! Uai, mainha! Uai, painho... ópcevê, desgraça!” E começar um novo letramento nas escolas. O Brasil já ama nossos sotaques mesmo!

Com Lívia Sant’Anna fui pro lado jurídico, por ela ser promotora, e comentei que o novo Estado precisaria de uma Constituição que garantisse feriado prolongado em dias de sol e licença poética remunerada para quem quisesse compor axé ou modão. Na culinária, não teria para ninguém nesta nossa união estável: pão de queijo, doce de leite, goiabada, bananada, feijão tropeiro, galinhada com oropronobis, moqueca, acarajé, vatapá, caruru, abará. Eles entram com o mar e a praia, a gente entra com as montanhas, o quentão, o queijo minas, o cafezinho, e eles com cocada, bolinho de estudante e canjica quente.

Acho um abuso um estado e uma cidade concentrarem sozinhas tanta coisa boa, tanta gente amável, trabalhadora, de sol a sol, mantendo aspectos ancestrais importantíssimos da nossa cultura negra no Brasil. É tanto chamego, carinho, conhecimento, música boa, que este texto jamais daria conta de tudo. Para mim, a Bahia é uma ignorante quando o assunto é ser modesta. O que nos resta é tentar dar um jeito de se parecer um pouco mais com ela. No fundo, todo mundo queria ser um tiquinho baiano. Ela não deveria existir sozinha porque é muita vantagem pra um estado só!

* Doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

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