Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

Bodas de cristal

Publicado em 02/12/2025 às 06:00.

Semana passada li um desabafo de uma amiga sobre o término de um relacionamento de cinco anos. Inspirado pela coragem dela, resolvi fazer algo que evito: falar do meu relacionamento. Estamos celebrando 15 anos juntos.

Na verdade, preciso ser honesto com você: esse tempo todo foi apenas na folhinha, pois menti para mim mesmo. Não me permiti, de fato, me relacionar e assumir os incômodos que a fricção de estar em um relacionamento causa. Escondi, omiti e me esquivei durante mais de sete anos. Portanto, se formos analisar a qualidade do relacionamento, diria que estamos, de fato, juntos há oito anos apenas. Apesar de isso já ser um relacionamento longevo, perdi muito tempo.

Tive, nesses anos todos, várias lições: dividir o que sinto, compartilhar minhas preocupações, ser honesto comigo mesmo, ser leal, entender de limites, de espaço, de tempo… dar tempo e pedir um tempo. Algumas vezes aprendi; noutras, fui reprovado. Acho que ouvir foi a “série” que mais me deu bomba. A urgência de falar, a ânsia de provar que tenho razão, que meus sentimentos e opiniões são as mais sensatas, as certas, as ideais… como dei cabeçada na parede com essas atitudes.

Mas estas palavras aqui não são para me culpar ou apontar meus erros porque tive muitos acertos também. Viajei muito. Sonhei. Conquistei. Compartilhei vitórias e fui acolhido quando achei que tinha fracassado. Depois, entendi que, quando as coisas não dão certo como eu quero, talvez elas tenham dado certo de um outra maneira.

Nem tudo são flores. Quis terminar várias vezes. Deixei o silêncio ficar gosmento, pairando no ar. Evitei o olho no olho. Pela impossibilidade de mentir, eu me esquivei de perguntas. Foi como tentar pegar um atalho, mas no final das contas essas vias não me levaram a lugar algum. Tive que voltar. Fazer o básico. O trivial. O arroz com feijão, pois isso é o que sustenta a gente.

Acho que chegar a esse estágio de relacionamento me faz colocar muita coisa em perspectiva: do que fui, do que me tornei, do que tenho trabalhado para me tornar. Entender que não é um relacionamento entre amigos ou pessoas que cresceram no mesmo bairro, que estudaram na mesma escola e sequer são da mesma geração às vezes ajuda; às vezes faz ser necessário recalcular a rota...

Não posso dizer “te amo”. O que seria o amor senão a projeção das idealizações que fazemos acerca de algo ou alguém? Na verdade, eu desejo que… ixi! Outra palavra que escancara as faltas pessoais com as quais eu mesmo tive que me haver. Você mesmo me ensinou que não me cai bem ser tão patético, de páthos, no grego, emoção. Não devo ser emocionado e viver baseado em estruturas tão frágeis e facilmente manipuláveis e incertas como as emoções.

Essas bodas de cristal me ensinaram que a transparência também pesa. Que enxergar a si mesmo com nitidez pode ser o gesto mais arriscado e, paradoxalmente, o mais afetuoso de autopreservação. Estou há 15 anos tentando não quebrar. E quando achei que estava irremediável, você me ajudou a ver que o cristal estava apenas sendo lapidado. Muito obrigado por esses 15 anos. O que sinto é profunda gratidão pelo senhor ser meu psicanalista.

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