Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

Fui atropelado

Publicado em 28/10/2025 às 06:00.

Muitas pessoas dizem que não se importam com a opinião dos outros. Acho louvável. Uma virtude, inclusive. Mas é pouco provável de seja verdade. Eu, que me considero um adulto autônomo, bem (ir-)responsável por minhas próprias escolhas e ações, vivo comparando as minhas atitudes com as dos outros. Se fosse fulano, em meu lugar, aposto que ele falaria isso-isso-isso. Se fosse ciclano, não tenho dúvidas de que ele agiria assim-assim-assado. Será mesmo? Como estar seguro de que alguém reagiria da forma que estamos supondo, se nem ao menos podemos contar ou confiar 100% na maneira em que nós vamos reagir? Quer que eu te prove isso? Vamos aos fatos.

Um dia, estava atravessando uma das avenidas mais movimentadas do hipercentro de BH quando uma senhorita, desavisada e distraída, começou a atravessar a rua completamente alheia ao fato de que havia um ônibus vindo em sua direção. Não sou muito bom em distâncias, mas suporia que ele estava a uns dois metros de atropelá-la. Já vi cenas como aquela inúmeras vezes em filmes ou novelas e sempre imaginei que reagiria dando um grito para avisar a pessoa e assim salvaria sua vida. Ou correria em sua direção para tentar tirá-la do perigo iminente. Mas não fiz nada disso. Apenas congelei. Tal qual um ratinho de laboratório que é submetido a choques após um sinal sonoro, fiquei paralisado. Não gritei. Não gesticulei. Não respirei. Não corri para me jogar sobre ela para evitar o seu atropelamento. Nadinha. Não fiz nada do que sempre achei que faria. Apenas assisti, chocado, o ônibus atingi-la, derrubá-la e atropelar a minha idealização de herói.

Não me culpo. Talvez não houvesse nada que eu realmente pudesse ter feito, mas o fato é o que sempre imaginei que faria alguma coisa. Viu que nem sempre reagimos como pensamos ser capazes? Se isso já nos expõe aos nossos próprios pontos cegos, o que podemos dizer sobre as atitudes de outras pessoas?

Certamente nem sempre as coisas saem como imaginamos, mas supor que alguém em nosso lugar faria tal-e-tal-coisa é realmente se autoflagelar. Precisamos nos responsabilizar pelas coisas que nos implicam e que resvalam nos outros. Não há problema em admirarmos alguém e, provavelmente, também não há nada de errado em nos compararmos, desde que não nos esqueçamos de que esse é sempre um jogo de suposições. Porque no fim das contas, por mais que o outro nos inspire, é sobre os nossos passos que recai o peso do caminho.

A vida é particular. As ações são individuais. Escolhemos o que plantar, mas a colheita é obrigatória. E cada um, goste ou não, terá de provar o sabor do fruto que cultivou. E, às vezes, o que germina não é bem aquilo que esperávamos. Ainda assim, é preciso colher, mastigar, engolir. Porque só assim aprendemos que viver é menos sobre prever os passos e mais sobre ter coragem de caminhar sem ensaio. No fim, não adianta muito o exercício de “se fosse fulano, eu teria feito melhor”. É sempre fácil ser herói na imaginação, principalmente quando a cena termina antes do ônibus passar.

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