Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

Onde nós vai comer?

Publicado em 23/09/2025 às 06:00.

Essa foi a pergunta que fez o senhor à minha frente quase quebrar o pescoço de tão rápido que girou para descobrir quem estava falando isso. Duvido que tenha sido porque estivesse com fome também ou porque tivesse uma sugestão de lugar com comida boa.

Foi no CCBB-BH, propositalmente — ou talvez não, que perguntei com esse tom sociolinguisticamente livre e normativamente despreocupado à pessoa que me acompanhava. Talvez não seja esperado que uma construção gramatical como as que usei circule assim, livremente e em alto e bom som.

O olhar que o senhor me lançou não é algo isolado. Quantas vezes não escutamos críticas do tipo “mim não fazer nada”? Não estou criticando a norma culta da língua portuguesa, apenas destacando que, como adultos, precisamos também entender outros aspectos.

De início, ressalto que a função social da língua é comunicar. Segundo a sociolinguística, o que muitas vezes chamamos de “erro” é simplesmente variação linguística. Você pode aprender mais sobre isso lendo as obras do linguista Marcos Bagno. A essa conversa acrescento: se o contexto é tão importante, devemos olhá-lo com mais atenção e reconhecer que nosso país é marcado por desigualdades sociais, educacionais e raciais que impactam as formas de socialização e de acesso.

Uma criança que desde cedo usa computadores em casa poderá ter mais facilidades de letramento digital do que aquela que precisa dividir um com dois ou três colegas na escola, quando tem a chance de ir ao laboratório de informática. O que quero dizer é que o contexto em que estamos inseridos influencia diretamente nossas relações sociais e pode limitar o que somos capazes de produzir ou consumir.

Um amigo, prof. Gabriel Nascimento, pesquisa como essas minúcias do contexto, quando analisadas a partir de um recorte racial, denunciam o racismo linguístico. O argumento central é a língua como instrumento fundamental de reprodução de racismos, por meio do linguicídio e do epistemicídio que marcam a história do nosso país. Ao relacionar linguagem e poder, ele mostra como o preconceito linguístico sustenta o racismo estrutural. Contra isso, há formas de resistência, como o “pretoguês”, sobre o qual Lélia Gonzalez já nos ensinou, por exemplo.

Refletir sobre a língua que falamos e o que ela fala através de nós, sobre nós e de nossas origens, é fundamental. Critico esses “pescoços que entortam e os narizes que se torcem”, pois penso que também são os responsáveis por deixar tantas pessoas receosas de frequentar determinados ambientes culturais. O elitismo, o classicismo e o academicismo impedem muitos de tentar retomar os estudos, ingressar em uma universidade ou se aproximar da mesa para partilhar da cultura, da arte e do conhecimento, por não se verem capazes, pertencentes ou bem-vindas. No fim das contas, não se trata, simploriamente, do que é certo ou errado, mas de como definimos esses critérios e com base em quê. Precisamos aprender a ler nossos textos sociais, nossas interações, bem como os contextos que os rodeiam.

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