Quem escolheu o teu nome? Ele é homenagem a alguém? Foi inventado? Sim! As pessoas inventam nomes das junções mais criativas que você pode pensar. Tenho uma crônica, Minuto de silêncio, sobre isso no meu livro O homem grávido. Talvez você seja xará de uma artista, um cantor, uma celebridade ou personalidade da mídia, um inventor, talvez. Já conheci um Einsten, um Isaac Newton e até um Santos Dumont. Mas ainda não tinha conhecido uma criança chamada Nicole que tivesse sido registrada com esse nome, devido a uma travesti. Sim! Segura esse babado.
A Mariana, mãe da Nicole, tinha uma vizinha prestativa, atenciosa e gente boa, que se mudou para a casa ao lado e fazia uma palha italiana deliciosa para vender. Até então, Mariana nunca havia conhecido alguém chamada Nicole e acabou conhecendo justamente essa pessoa. Ficaram amigas rapidamente e, quando Mariana teve sua primeira filha, decidiu chamá-la de Nicole. A vizinha, vale dizer, é uma travesti.
Estou te contando essa história porque, em 2024, nosso país registrou 122 assassinatos de pessoas trans e travestis; quase todos contra mulheres trans jovens, negras e trabalhadoras sexuais, muitas vezes no interior e fora do alcance das capitais. Embora o número represente uma queda em relação a 2023, ele mantém o país no topo do ranking mundial de violência contra pessoas trans e expõe uma realidade brutal: a expectativa de vida dessa população segue em torno dos 30 anos, reflexo de uma transfobia estrutural que atravessa raça, classe e gênero. Não são apenas estatísticas, mas vidas interrompidas por um sistema que insiste em negar dignidade, e que exige políticas públicas firmes, urgentes e transformadoras.
O nome Nicole vem do grego e significa “vitória do povo”, alguém que triunfa, que representa forças coletivas. Dar nome é também dar existência. Dar esse nome a uma criança é, de certa forma, desejar que ela tenha força, coragem e presença no mundo. E quando uma travesti chamada Nicole deixa sua marca a ponto de inspirar o nome de uma bebê, é a vida se afirmando contra a lógica da violência. Mariana está dizendo ao mundo que a Nicole, travesti, merece tanto respeito, acolhimento, amor e oportunidades quanto sua filha Nicole. Talvez seja esse o nosso maior desafio, transformar cada nome em resistência, cada gesto em cuidado e cada política pública em proteção. Porque não são apenas os vínculos de afeto que nos salvam, mas também políticas firmes que garantam direitos, segurança e dignidade. Só assim podemos construir um mundo onde todas as Nicoles possam viver, ser respeitadas, livres para existir, cheias de força, esperança e celebrando as suas vitórias.