Viver é resistência

Publicado em 08/02/2022 às 06:00.

Chega a ser cansativo repetir, reiteradamente, que o racismo mata. A gente fala, fala e fala, mas muitas pessoas não fazem o mínimo de esforço necessário para compreender como se manifesta o racismo estrutural em nossa sociedade. O mito da democracia racial sobrepõe até as estatísticas.

Às vezes, o racismo mata de forma velada mesmo. Assim, poucas são as pessoas, com um entendimento de humanidade apurado, que conseguem enxergar quando, por exemplo, a depressão, o suicídio, a omissão e a negligência são decorrentes do racismo. Mas quando o racismo é explícito, só não enxerga quem é condescende com o sistema racista.

É triste dizer isto: mas não são só os assassinos os únicos responsáveis pela morte do congolês Moïse Kabahambe, de 24 anos, que recebeu 39 pauladas de taco de beisebol na Barra da Tijuca, um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro. Os condescendentes são vários: o sistema policial, as autoridades políticas, todas as instituições e quem viu o noticiário, mas continuou almoçando, jantando e seguindo a vida sem se indignar com o ocorrido.

A banalização dos corpos negros mortos só confirma o quanto as pessoas são racistas no nosso país. Não tenho dúvidas: se fosse um estrangeiro branco, ao menos a comoção seria outra. Por isso, apesar do cansaço, não podemos parar  de lutar. Nada o que for feito trará Moïse Kabahambe de volta, mas, ainda assim, precisa ser feito para que a história não se repita.

Transformar os quiosques onde o jovem foi assassinado em um memorial e conceder a gerência à família do congolês são ações pequenas diante da barbárie, mas a luta do povo negro é um processo. E cada conquista representa a esperança de um povo que sabe na prática, no cotidiano, na pele e na alma o que é resistir.

Resistir significa não deixar esquecer esse e tantos outros assassinatos que têm como alvo a cor preta. Resistir significa clamar por justiça. Resistir é falar, falar e falar, ainda que seja cansativo, ainda que tentem nos deslegitimar. Resistir significa viver, por mim e por meus irmãos mortos pelo racismo.

O racismo e suas faces tentarão nos dizimar. Ou melhor, já tentaram. Não conseguiram nem conseguirão.

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