Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

A fraqueza disfarçada de nobreza

Publicado em 05/09/2024 às 06:00.

João era conhecido como o cara legal que ajuda todo mundo. Bastava um telefonema que lá estava ele para ajudar na mudança, no conselho, no dinheiro e em várias outras demandas. Quanto mais complicada era a situação, mais ele era lembrado para ajudar a resolver os problemas. Era tido como um herói entre os conhecidos. João justificava o fato de ser tão prestativo pois  não lhe custava nada ajudar, alem de ser fácil e prazeroso. 

É inegável que quem ajuda está numa condição muito melhor do que a de quem recebe. Mas há questões que vão além da nobreza da generosidade e esbarram na vaidade e na dificuldade de dizer “não” - nasce aí a Síndrome do Bonzinho. 

Precisamos levar em consideração que fomos treinados a pensar que tirar de si para dar ao outro é um gesto nobre, digno de pessoas bondosas e evoluídas. É visto com bons olhos aquele que renuncia aos próprios interesses, desejos ou necessidades em favor de uma outra pessoa ou causa. A prática da abnegação é muito valorizada pelas religiões assim como em nossa sociedade, fazendo com que o sujeito passe de uma categoria comum de ser humano para uma outra, superior. 

Mas convém analisar o tema com cautela. Uma coisa é o altruísmo que é feito em prol de de quem necessita, de maneira desinteressada, e de forma discreta e reservada, sem a presença de holofotes; outra coisa é a bondade com ganhos secundários - essa nada tem a ver com generosidade, e sim com fragilidade.

Aí surge uma dúvida: não existem pessoas genuinamente boas? A resposta é: sim, existem. Mas à luz da psicologia, bom é tudo aquilo que é baseado numa troca justa e equilibrada. Não é saudável ser bom para alguém em detrimento de si, a serviço da vaidade ou por dificuldade em negar. 

Aprofundando um pouco mais nesse desconforto em dizer “não” é importante vincular isso ao medo de rejeição. Acreditamos que ao negarmos a solicitação de alguém seremos rebaixados de categoria no imaginário dele. Portanto, atendemos prontamente o pedido do outro, não pela vontade genuína de servir, mas para evitarmos perder prestigio e significância.

Além disso, outra razão pela qual nos tornamos pseudobondosos é por nos sentirmos culpados em negar algo que temos condições de fazer. É como se tivéssemos a obrigação de emprestar algo para o outro somente pelo fato de possuir tal objeto. Ao negarmos aquela solicitação nasce um sentimento equivocado de que estamos sendo egoístas. Uma lógica invertida onde o desejo do outro é atendido em detrimento da nossa vontade.

E, por fim, é importante ressaltar a questão da vaidade, afinal ajudar o outro traz um prestígio extra, uma imagem positiva e não deixa de ser uma boa propaganda de si mesmo. 

Todos esses comportamentos têm as raízes fincadas na baixa autoestima, que nos deixa sentir ora devedores, ora culpados por ter muito, fazendo com que através da nossa bondade aumentemos também o nosso juízo de valor sobre nós mesmos. Isso explica a sensação de bem-estar que as pessoas sentem ao ajudar os outros. 

De uma maneira geral, atitudes benevolentes, bondosas e generosas nos projetam num caminho melhor e devemos praticá-las, porém igualmente importante é estarmos atentos às motivações que nos impulsionam a elas. 

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