Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

A necessidade da atualização emocional

Publicado em 22/05/2025 às 06:00.

Quando passamos por determinadas situações de dor e sofrimento, registramos em nossa mente as marcas de tal acontecimento, e isso, num processo inconsciente, pode vir a nos acompanhar por toda vida. Um exemplo pode ser o de uma criança que foi criada num ambiente de poucas condições materiais e por isso passou por situações de falta e vivenciou grandes privações. No ambiente escolar teve sua situação ainda mais escancarada ao comparar a sua vida à de alguns colegas mais abastados. Isso, ainda que de forma não elaborada, gerou alguns tipos de desconforto, constrangimento, tristeza, vergonha ou sensação de inadequação. Esses momentos geralmente são gravados na memória e carregados para vida toda. 

Continuando o raciocínio do exemplo, essa criança anteriormente pobre vira um adulto que através do seu empenho, trabalho e dedicação foi, aos poucos, conquistando uma carreira e uma boa condição material. Ao longo do tempo se torna um grande executivo bem remunerado, adquirindo uma estabilidade financeira e patrimonial. Aqueles que conhecem sua história o consideram um homem de sucesso e pensam que seu passado difícil ficou para trás. De fato ficou. Entretanto, em sua mente nem sempre é assim que ele se sente. O medo de que lhe falte algo prende o homem de sucesso à criança desprotegida. 

Os observadores não imaginam o tamanho de sua insegurança, porém ela existe. 

Nem tudo que reluz é ouro, assim como nem sempre quem venceu na vida consegue abandonar seus medos. 

Isso acontece devido a um descompasso entre a cognição, nossa parte racional, com a nossa parte emocional, onde ficam armazenados  dores, medos e traumas. Vale também para inúmeros outros exemplos onde a insegurança do passado vira um fantasma do presente. Uma prisão dolorosa e inadequada que faz o indivíduo refém de si próprio. 

Mas como nos livrarmos daquilo que nos assombra? Como deixar para trás um passado doloroso e não permitir que ele nos amedronte tanto? E a resposta é simples: fazendo uma atualização emocional. Isso significa adequarmos nosso selfie atual e abandonarmos o desenho mental que já não nos cabe mais. 

Mas antes precisamos entender algo relevante: nossos medos emocionais são adquiridos na infância quando de fato não temos mecanismos psíquicos para nos salvarmos de inúmeras situações de risco. Incapazes de nos percebermos competentes para enfrentarmos nossos medos, nós sucumbimos a ele. E assim viramos adultos, capazes de nos salvarmos dos riscos, porém com medos infantilizados não correspondentes ao nosso tamanho. A criança não existe mais, porém ficamos presos a essa figura frágil num nítido desalinho entre a realidade e a fantasia mental. 

Para piorar, inconscientemente, queremos continuar sentindo medo - esse amigo de longa data que nos fez companhia a vida toda.

Como posso agora expulsar algo que esteve comigo por tanto tempo e até “contribuiu” para meu sucesso?

E assim, imbuídos nesse casamento, seguimos unidos até que a morte nos separe, ou até que nosso psiquismo faça uma atualização mental e deixe para trás padrões antigos que já não nos servem mais. 

Assim como atualizamos a forma de pensar, vestir, atualizamos nossos veículos, nossa casa e até o sistema operacional do nosso telefone, precisamos também fazer atualizações mentais para não corrermos o risco de crescermos e continuarmos nos sentindo pequenos. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por