Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Disciplina e preguiça

Publicado em 18/01/2024 às 06:00.

No dia 8 de janeiro, a primeira segunda-feira útil desse ano, percebi uma diferença na academia em que eu frequento: ela estava consideravelmente mais cheia que o habitual. Aquela quantidade de gente tanto me chamou atenção quanto me fez refletir sobre as promessas que fazemos no início de cada ciclo. Eles representavam a vontade de colocar em prática um hábito que estava somente no campo do desejo.

O curioso que hoje, dia 18, somente 10 dias depois, observo o local quase igual à quantidade anterior, bem vazia e com as mesmas pessoas que já costumo encontrar naquele horário. Impossível não pensar sobre as duas forças antagônicas que se estabelecem, nos puxando em sentidos opostos. De um lado a razão, que sabe que precisa fazer, e, do outro lado, uma força poderosíssima que se estabelece contrária àquele propósito. 

Um cabo de guerra onde temos a disciplina, que é a capacidade de cumprirmos as promessas que fazemos com a gente, versus a preguiça, com sua potência descomunal que quase sempre vence esse duelo. E isso se estende às outras áreas da nossa vida, como, por exemplo, um vício, onde o compromisso de parar de fumar é vencido pela vontade forte de acender um cigarro. Ocorre também na proposta de manter a dieta, que é quebrada no prazer de comer algo que não estava planejado e em várias outras áreas da nossa vida onde fraquejamos naquilo que gostaríamos de colocar em prática. 

Para piorar o que já não é bom, parece que quando essas recaídas ocorrem um mecanismo de autorização é acionado, fazendo com que o indivíduo mergulhe fundo naquela conduta autodestrutiva. O pensamento funciona mais ou menos assim: já que quebrei a promessa fumando um cigarro, fumo logo um maço; já que saí da dieta comendo um doce, que vá logo a caixa inteira. Uma forma pouco inteligente de “tirar o atraso” e se enfarar para então conseguir triunfar mais à frente. Uma ideia que não faz nenhum sentido visto que nenhum vício é superado pela saciedade. 

Outra questão importante a ser considerada é que em cada recaída cai também a autoestima, pois demonstra-se uma falta de domínio sobre si. Com a autoconfiança abalada, o indivíduo fica insatisfeito e angustiado. Apesar de tentar projetar a culpa para fora, no fundo sabe que é o único responsável por aquela situação. A sensação de derrota o consome e a descrença em si mesmo também. 

Resolver essa luta não é fácil e nem tem fórmula mágica, mas, como genialmente cunhou Freud, em frase clássica, “quando a dor é maior que o ganho, o indivíduo muda”. 

Sim, quando sentimos, de fato, que nossa conduta autodestrutiva mais nos causa prejuízo do que prazer, iniciamos uma caminhada capaz de transformar um hábito ruim em bom. É o que ocorre com inúmeras pessoas que eram obesas e após um diagnóstico grave se tornaram atletas e tantas outras histórias de superação e vitória que conhecemos. 

Aos que querem verdadeiramente implementar mudanças em suas vidas, é importante ter em mente que, apesar de difícil, no campo comportamental quase todas as mudanças são possíveis. O primeiro passo é vencer a luta poderosa entre a disciplina e a preguiça. Para isso é preciso cumprir o prometido sem aceitar justificativas. A cada vitória, um novo hábito é construído, fazendo com que precisemos de menos esforço para alcançar o resultado. Em termos de satisfação, não há dinheiro que pague essa conquista. 

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