Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Não existe gente boazinha

Publicado em 21/04/2022 às 06:00.

“Sou bonzinho com todo mundo e nunca tive reciprocidade. Sempre sou mais disponível para as pessoas do que elas para mim, sempre dou mais que recebo, sempre ajudo mais que sou ajudado. Chego a pensar que pertenço a um pequeno grupo de pessoas boas, enquanto a maioria são pessoas ruins e oportunistas”.

Recebi essa mensagem que me chamou atenção, pois todas as pessoas “boazinhas” consideram pertencer a uma casta mais evoluída. Pensam serem generosos e explorados em função disso.  É preciso ter cautela ao fazer tal afirmação, pois os bonzinhos não pertencem ao time dos altruístas, como julga o senso comum ou eles mesmos. São assim por fragilidade, e não por bondade.

A mais evidente das fragilidades é a carência afetiva. Um indivíduo carente desenvolve mecanismos para receber afeto das outras pessoas, dessa forma se torna um exímio doador. Quanto mais carente, mais bonzinho. Essa forma de se relacionar com o mundo é uma artimanha do inconsciente para garantia seu valor. O pensamento é : quanto mais bonzinho eu for, mais necessário na vida do outro eu serei. O que revela claramente um sentimento de menos valia. E essa é a outra grande fragilidade que faz um indivíduo se tornar bonzinho: a baixa autoestima.

Um baixo juízo de valor de si mesmo faz uma pessoa se sentir não merecedora. Ao contrário, traz dentro de si uma espécie de dívida para com o outro, por isso se imputa a responsabilidade de sempre estar a favor do outro e nunca para si. Um silencioso complexo de inferioridade que se manifesta na sutileza da subserviência.

Mas existe um outro lado que também se faz possível nas pessoas boazinhas: o oportunismo. Estas gostam de agradar mas estão sempre de olho numa recompensa e isso pode ser visto desde um pequeno elogio visando retorno, como a criação de uma ONG para isenção de impostos e ganho de mídia. De bonzinhos, só a casca. Essa categoria não é muito fácil de ser percebida, enganam muitas pessoas por muito tempo até porque fingem humildade mesmo adorando o protagonismo.

Mas nem só de holofotes vive o bonzinho oportunista, às vezes ele usa do vitimismo para se beneficiar. Queixa-se dizendo estar cansado de fazer tudo pelos outros, mas nunca ser reconhecido. Vira um coitado que sofre o ônus da própria bondade; mas não muda. Ou seja, gosta mesmo de ser assim. Quer ser explorado para autopromover seu pseudo altruísmo.

Para sair da condição de bonzinho que mais aprisiona que dá vantagens, é preciso fazer uma autocritica honesta, mapear os motivos que sustentam esse comportamento e verdadeiramente estar disposto a se livrar deles. Somente quando somos honestos conosco evoluímos em nossos entraves emocionais. 

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