Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

O excesso de prazer e a tristeza da insatisfação

Publicado em 25/07/2024 às 06:00.

Pensar que a nossa fonte de prazer também pode ser nossa maior fonte de sofrimento parece ser uma ideia contraditória, mas é mais verdadeiro que imaginamos. O assunto é profundo e requer uma análise cautelosa. 

Nunca tivemos tanto acesso a drogas viciantes como nos tempos digitais. Nas nossas mãos, literalmente, temos supermercado de ofertas diversificadas: notícias, vídeos, imagens, mensagens, jogos, interações, sexo, tudo tão fácil quanto aterrorizante. A dopamina cibernética gerada pelos novos estímulos nos supre de prazer imediato e nos faz perder o controle sobre nós mesmos, sobre nosso tempo e interfere na natureza dos nossos desejos. 

Cada vez que desejamos mais uma dose, mais 5 minutos que viram 30, mais uma rodada do jogo, mais uma aposta, alimentamos duas vertentes de uma mesma raiz gerada pela dependência: o prazer e a angústia que deriva do excesso. Quanto maior a dopamina, maior a recompensa, maior o vício e menos conseguimos colocar limites.

A falta de autocontrole, como também na sensação de derrota que o viciado sente, traz sérios prejuízos para sua vida pessoal, profissional, suas relações, além de gerar procrastinação e interferir diretamente na autoestima do indivíduo. O ciclo do vício se repete da mesma maneira: quanto mais dependente, menos autoestima e menos forca psíquica para largar o vício.

A relação do dependente com a droga é de amor e ódio, desejo e repulsa. Ele não quer, mas também não quer abrir mão do prazer que ela gera e quando se propõe a isso geralmente fracassa na falta de determinação a se desvencilhar dela. A partir dessa dificuldade, o indivíduo costuma se alimentar de duas mentiras: uma que aquele vício não é tão nocivo assim, e outra é a de que ele pode parar a hora que quiser. E isso vale tanto para as drogas digitais quanto para os cigarros eletrônicos, as compras online, os doces, o voyeurismo, a masturbação, os remédios tarja preta, as séries que nos prendem dentro de casa e quando nos libertamos do estreito mundo individual se fazem necessárias doses de álcool para conseguir interagir no social. 

Mas por que perdemos tanto o controle sobre nós mesmos?

A facilidade de acesso acelerou o processo e, em função disso, o fenômeno da massa - a geração de viciados - traz uma normalização da dependência, a prova disso é a estranheza gerada quando alguém não tem um perfil no mundo digital. 

Outra questão importante são os avanços das doenças psiquiátricas. Somos o terceiro país no ranking de população mais ansiosa do mundo, segundo a OMS, e tanto a depressão quanto a ansiedade são um atalho para o vício. E é inegável que num primeiro momento as drogas trazem um certo bem-estar para quem padece desses males. Não fossem os efeitos colaterais gerados pela dependência e o limiar de tolerância que faz o indivíduo ter que aumentar a dose para sentir um prazer cada vez menor, as drogas seriam excelentes “remédios” para esses males. 

Sair dessa complexa prisão não é algo simples. Primeiro é preciso querer ser livre dela, coisa que a maioria fala que quer, mas não está disposta a passar pelo crivo estreito da privação e da abstinência. É importante se autoconhecer para mapear qual o vazio se busca preencher com o vício - aos menos resistentes, a terapia é uma boa aliada. Aliás, a ajuda profissional é muito pertinente, pois em casos mais sérios é preciso uma intervenção maior como remédios ou internação.

Nesse processo se faz necessário trazer para consciência que o prazer que gera sofrimento é autodestrutivo e assim substituí-lo por um prazer autoconstrutivo, como atividade física, por exemplo. A transição entre um e outro é como atravessar um deserto, difícil, solitário e sofrido, mas possível e em termos de satisfação pessoal e emocional, inigualável. 

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