Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Perdoar significa esquecer?

Publicado em 21/09/2023 às 06:00.

O nosso convívio é, muitas vezes, marcado por desentendimentos, conflitos, dores e mágoas. Cada vez que nos sentimos decepcionados ou ofendidos por determinadas posturas vindas de pessoas que consideramos, aflora em nós sentimento de tristeza. A decepção chega como um sentimento de traição. Em muitos casos, sobretudo aqueles que não são bem conversados e esclarecidos, essa tristeza pode evoluir para algo pior; uma mágoa profunda e uma dificuldade em perdoar. 

Nossa memória emocional armazena principalmente as experiências ruins, numa “gaveta” mental, e, a cada novo golpe, essa gaveta é aberta e todas as mágoas anteriores são relembradas e isso exacerba a dor. 

A mágoa sentida pode evoluir para o ressentimento e a pessoa fica ainda mais machucada repassando o fato mentalmente, numa tortura mental. Quer perdoar, mas, ao mesmo tempo, frente a tanta injustiça, a pessoa fica preferindo sentir raiva a se libertar de tal sentimento, como se a raiva fosse um medidor da gravidade do ocorrido. 

Perdoar não é nada fácil. Perdoar, largar para lá e seguir adiante é quase impossível para determinadas pessoas. É como abrir mão do pagamento de uma dívida e não pensar mais no prejuízo causado. Há um ditado que diz: “quem bate esquece, quem apanha, não”. A ferida sentida em quem apanhou nunca será percebida da mesma forma por quem a provocou. De um lado, quem “bateu” avalia que a atitude do outro está exagerada, e quem apanhou acha um absurdo a desqualificação da sua dor. E assim segue o desencontro. 

Nem sempre um pedido de desculpa ressarce o dano. Uma quebra de confiança, por exemplo, é uma mácula difícil de ser apagada. Mas isso não significa que não possa ser perdoada e reconstruída. Para isso é preciso da contribuição de todos, principalmente de quem errou, pois o perdão é uma via de mão dupla: quem foi ferido deve querer perdoar, e quem feriu precisa ter o “comportamento dos arrependidos”. 

Há quem se sinta verdadeiramente arrependido, é bem intencionado e faz de tudo para não repetir a postura que magoou – a maioria das vezes, consegue. Porém, há quem se arrependa superficialmente, um arrependimento estratégico que visa não perder confortos ou regalias. Estes costumam teatralizar um remorso que não sentem, às vezes choram ou até se humilham em busca do perdão, mas não mudam, pois no fundo acreditam que merecem ser desculpados de todos os erros e acham uma bobagem a tristeza que o outro está sentindo. 

A incapacidade em perdoar aprisiona quem sente, pois este fica sempre lembrando do ocorrido e se sentindo prejudicado. Já quem perdoa libera a mágoa e o ressentimento. Mas convém ressaltar: perdoar não é esquecer, e sim conseguir transformar aquilo que o magoou numa memória “fria”, desprovida de sentimentos. Isso não significa retomar o convívio com quem o machucou, afinal de contas perdoar é uma limpeza emocional, continuar convivendo são outros quinhentos. 

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