Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Reclamação, um vício emocional

Publicado em 07/08/2025 às 06:00.

Há pessoas cuja forma de conversar traz consigo a tônica da reclamação. Estão sempre expressando descontentamento, insatisfação ou incômodo sobre algo.

Geralmente o “reclamão” é um indivíduo negativo, mal-humorado e vitimista, que não faz nenhuma ação prática para mudar a não ser verbalizar sua indignação a quatro cantos. 

A vitimização se dá por meio  da constante busca por culpados -  sempre a responsabilidade é do outro, e ele, quem reclama, está sempre na situação do prejudicado. Com o tempo, esse comportamento vai virando um hábito alicerçado num pensamento de padrão negativo difícil de ser modificado. 

É interessante perceber que na maioria das vezes as pessoas aprendem esse comportamento dentro de casa, um pai ou uma mãe muito reclamão instala essa mesma conduta nos filhos. Muitos chegam a dizer que não suportam tal comportamento nos pais, embora não percebam que agem igual. 

Da mesma forma, funciona o “pensamento negativo” - que é a base da reclamação. A maneira de interpretar os fatos (positiva ou negativa) de alguém segue a mesma linhagem familiar. Pais negativos, além de estimular o medo, ainda acabam passando a mesma forma de pensar para os filhos, implantando ali uma linha de raciocínio que se incorpora como padrão. 

Ser negativo traz grandes prejuízos à vida de um indivíduo, pois além de estar sempre modulado para baixo, ainda dificulta as relações interpessoais - ninguém quer ficar próximo aos profetas do apocalipse. Além disso, a perspectiva negativa cria sempre um clima de insegurança, medo e desânimo, algo muito pesado e desanimador para a vida da própria pessoa. 

Já a reclamação, apesar de igualmente exaustiva para quem ouve, costuma trazer algumas vantagens para quem pratica, como, por exemplo, atenção. É muito comum o ouvinte se comover com quem se queixa,  por isso proporcionando  aconchego e acolhimento, dando àquela pessoa uma atenção maior. 

Outra vantagem é o esvaziamento emocional: quem reclama acaba por desabafar seus dissabores e jogar a carga nas costas do ouvinte, que,  por sua vez, sai esgotado. 

Há também ganhos de privilégios. Há um ditado que diz: “Quem não chora não mama”, o que acho particularmente uma inversão de valores. Há empresas que privilegiam somente os clientes que reclamam ou aqueles que dão muito trabalho. Mas não deveria ser o contrário? Aqueles que não causam tumulto e são cumpridores de regras deveriam ser os mais privilegiados. Mas infelizmente não é assim que funciona nem no mundo organizacional nem na vida. É muito comum, por exemplo, pais darem mais vantagens aos filhos que dão mais preocupação e deixarem de lado aqueles que administram bem a própria vida. 

Esse tratamento diferenciado aos reclamões é um estímulo que reforça ainda mais tal atitude, fazendo com que ao invés de evoluírem acabem sofisticando a reclamação, se tornando pessoas ingratas incapazes de perceberem as coisas boas. 

Com o tempo essa conduta vira um vício emocional, que o indivíduo até consegue largar, porém não quer abrir mão de obter as vantagens. 

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