Essa semana recebi o seguinte relato:
“Tenho grande dificuldade para conviver com pessoas generosas. Na família da minha esposa, várias pessoas são assim. Eles acham que nós estamos precisando de tudo e quando decidimos comprar algo eles correm na frente e compram para nos presentear. Pode parecer algo positivo, mas, para mim, fica parecendo que não damos conta de comprar as coisas, o que não é verdade.
Já reclamei e disse para eles não se preocuparem conosco, mas alegam que isso é carinho, amor e cuidado com a gente. Te confesso que esse excesso me incomoda. Será que eles fazem isso por bondade mesmo? Eles dizem que fazer as pessoas felizes é o jeito deles serem felizes”.
O conceito de bondade segundo o dicionário é: qualidade de quem tem alma nobre e generosa e é naturalmente inclinado a fazer o bem; benevolência, benignidade, magnanimidade. Atitude daquele que se dispõe a sacrificar os próprios interesses em benefício de outrem.
E quando essa virtude nobre está vinculada a interesses próprios, como no caso do relato acima? A reflexão é: existe bondade genuína no ato de generosidade?
A questão é delicada e merece ser analisada com cautela. Por ser a bondade um ato bem intencionado, ela pode camuflar outras questões não tão altruístas assim como o egoísmo, por exemplo. Nem toda bondade é um ato puro, muitas vezes o que a motiva são outras intenções. Alguns exemplos:
Bondade arrogante: é aquela que vem seguida com lição de moral, em que o bondoso se sente no direito de dar um “sermão” naquele que recebe, chegando por vezes até a humilhar a pessoa.
Bondade egoísta: é quando estou mais preocupada em me satisfazer independentemente se aquilo será de fato bom ou não para o outro. É o caso da mensagem no leitor, que mesmo mostrando desconforto a família não deixa de fazer.
Bondade hipócrita: quando eu prego a bondade, mas levo uma vida completamente diferente da que falo.
Bondade marqueteira: é quando tem o cunho da autopromoção. Faz o bem e joga holofote sobre seus atos; no final o alvo principal da bondade é a própria projeção do bondoso.
Bondade contabilizada: faz o bem, mas cobra caro a fatura. O recebedor adquire uma espécie de divida impagável.
Bondade autoritária: quando um faz algo para outro julgando essa ser a melhor opção para ele.
Bondade por fraqueza emocional: é dividida em 3 subcategorias; Primeiro, a dos que sentem dificuldade em falar “não” ou em desagradar e camuflam essa fragilidade numa suposta bondade e assim tornam-se bonzinhos de mentira; segundo, a dos carentes emocionais que viram bonzinhos para garantir companhia e atenuar seu vazio existencial. Quanto mais carente, mais doador; e, terceira, a dos que temem a rejeição e se tornam bonzinhos na busca de aceitação.
Numa segunda análise podemos concluir que nem sempre a bondade significa uma abnegação altruísta. Na maior parte das vezes ela está a serviço dos nossos interesses, revelando nossas vaidades e fragilidades.