Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Uma história de amor com a ansiedade

Publicado em 19/05/2022 às 06:00.

Há algum tempo venho refletindo sobre a dificuldade em desapegar da ansiedade e viver com mais paz e serenidade. Uma tarefa desafiadora por si só, mas que se torna ainda mais complicada quando há um “caso de amor” com a ansiedade.

Como abandonar aquilo que amamos, acreditamos que nos protege e é um velho companheiro?

Muitos buscam ajuda profissional e afirmam que querem uma vida melhor, sem ansiedade. Mas será que isso é verdade? Quando a fala está em desalinho com a conduta, devemos observar a conduta. Ela nos revela o real desejo do indivíduo, ainda que ele afirme o contrário.

Vejamos um caso clássico: vamos chamar de Ana a paciente que buscou ajuda devido às inúmeras crises de ansiedade. Inicialmente percebeu problemas na pele e queda de cabelo e ali iniciou sua incursão investigativa acerca do mal que a acometia. Alem da queixa inicial, também havia reclamação sobre estar sempre resfriada, corpo cansado e sensação de mal estar constante. Ana buscou vários profissionais e o problema só piorava. Até que chegaram no diagnostico emocional: TAG - transtorno de ansiedade generalizada.

Na análise de seu comportamento, Ana tinha um senso de justiça extremamente aguçado que a fazia estar sempre envolvida em algum conflito lutando por aquilo que acreditava ser o correto. A luta em si não é o problema, e sim a emoção despendida. Ana relatava que se indignava todos os dias, ora com a funcionária doméstica que não lavava as coisas direito, ora com o marido que não cumpria o horário combinado. No ambiente de trabalho era um tormento sem fim, pois tinha que conviver com pessoas incompetentes mas que tinham mais privilégios por serem parentes ou próximos ao chefe. Quando voltava para casa, se irritava ainda mais com os motoristas desatentos que atrapalhavam o trânsito.

Além de todo esse gasto de energia emocional, ela ainda carregava dentro de si a sensação de que se não brigasse em prol da sua defesa, ninguém faria isso por ela. Se sentia “sozinha no mundo”, mesmo sendo rodeada de familiares, por isso desenvolveu uma certa agressividade para não ser feita de boba. “Se eu não dou o grito, as pessoas passam o trator em cima de mim. Preciso ficar esperta, brigar pelo que é meu. Deus me livre de gente fraca”.

Ana se orgulhava dessas característica como se tudo isso estivesse a favor de protegê-la. Não percebia que esse jeito estava drenando a sua paz. Ela associava pessoas pacíficas como passivas e fracas, e as briguentas como fortes. Ledo engano! Desenvolver agressividade como defesa é uma fraqueza, além de extremamente exaustivo e prejudicial à saúde mental.

Hipócrates, o mais célebre médico da Antiguidade, considerado o pai da Medicina, nos deixou um grande ensinamento: “Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer”.

Para sair do estado de ansiedade é preciso mudar a forma de se relacionar com o mundo. O primeiro passo é largar a necessidade de controlar a tudo e a todos, encarar os desafios da vida com mais leveza e mansidão, aceitar a vida como ela é e, o mais importante de tudo, colocar em prática uma nova forma de levar a vida. 

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