Daniel Alves foi solto por ser rico?

Publicado em 09/04/2024 às 06:00.

Vinícius da Costa Gomes*

Manchete no Hoje em Dia Daniel Alves deixa a prisão na Espanha após pagar fiança. Imediatamente na TV, nas redes sociais, nas ruas e até na minha sala de aula (prof não tem folga!): Quem tem dinheiro não fica preso! Agora é só pagar para estuprar! No fim, Espanha é igual ao Brasil: dinheiro é que conta! É isso? Bom, explico o caso, conforme o Direito.

Daniel Alves ainda é inocente! Sim, o Direito, no Brasil, na Espanha e em diversos outros países traz a presunção de inocência como um direito fundamental. Assim o sujeito só é culpado ao fim do processo. De imediato o aluno ansioso levanta o dedo: “O Daniel não foi condenado?”. Sim, mas não de forma definitiva. O trânsito em julgado, ou seja, o momento em que um sujeito deixa de ser inocente e se torna culpado é só quando não há mais recursos. Há recurso, portanto, ele ainda é inocente.

Outro dedo levantado: “Recurso é para proteger bandido prof!” e mais: “No Brasil há excesso de recursos para proteger bandido!”. O recurso é para nos proteger do Estado. Afinal, todos erram e podem abusar do poder, inclusive o juiz. O recurso é um mecanismo para evitar isso. O indivíduo recorre e um juiz diferente analisa o caso. A finalidade é dar a uma pessoa diferente a análise, assim, há uma menor chance de erro ou abuso. A segunda pergunta é uma fake news comum. O Direito Penal brasileiro é de origem ítalo-germânica, como o espanhol, portanto há recurso aqui e no resto do mundo. Inclusive, a previsão de recurso como direito fundamental está na carta dos Direitos Humanos, ou seja, se aplica no mundo todo.

Vencida essa parte, vamos ao dinheiro pago pelo Daniel Alves. Ele pagou para estuprar? Não. Daniel Alves foi preso não porque é culpado, mas sim porque estava em fuga. Ele comprou uma passagem para o México, assim decretaram a prisão preventiva para evitar a fuga e possibilitar eventual punição futura. A preventiva não diz que alguém cometeu o crime, ela quer preservar o processo. Se ele fugisse, não haveria como a Espanha puni-lo ao final do processo. Como a investigação já se esgotou, não há risco dele prejudicar a investigação (ameaçando ou pagando testemunhas, por exemplo). Agora, nos tribunais, só haverá discussão com base no que já foi produzido. 

O Judiciário entendeu que não há mais risco à apuração e/ou de fuga. Assim, o juiz deve soltar o réu e decretar alguma medida que evite a fuga, como retenção do passaporte, tornozeleira eletrônica ou até mesmo prisão domiciliar. A ideia é: se ele ainda não é culpado, não pode ser privado de liberdade (se no fim ele for declarado inocente, como ressarcir pelo tempo preso?). A fiança não é pagar para ser solto, mas sim uma garantia para qualquer descumprimento que ele cometer. Se ele se aproximar da vítima, por exemplo, o dinheiro pago fica com o Judiciário e ele pode ter a preventiva decretada. Ou seja, ela é um mecanismo para obrigá-lo a cumprir todas as condições impostas.

“Prof., isso é só porque ele é rico! Se fosse pobre...”. Se ele fosse pobre seria decretada a liberdade provisória sem a fiança. Faz-se isso para evitar o tratamento diferenciado em razão do dinheiro. A ideia continua a ser a mesma, ele ainda é inocente, mas há chance dele ser culpado. O papel do Estado é ao mesmo tempo evitar prejudicar alguém (como disse, ele ainda não foi declarado culpado) e ao mesmo tempo possibilitar a punição se ele for culpado (evitar o caso Robinho, por exemplo). 

Assim, adota-se a medida menos gravosa, mas que evite a fuga. Retendo o passaporte, impedindo o encontro com a vítima ou até mesmo decretando o uso de tornozeleira, o Estado espanhol garante que ele ficará na Espanha até o fim do processo e seja punido, se for culpado, ou liberado, se for inocente (lembrando: a análise é jurídica! Não uma opinião sobre o fato ou o caso). 

*Mestre em Direito, professor da Nova Faculdade, Promove, Kennedy e Universidade Santa Úrsula a assessor da Ouvidoria de Prevenção e Combate à Corrupção. Professor online nas horas vagas: @profviniciusgomes (instagram, YouTube, Facebook, TikTok e X)

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