Porque somente famílias ricas podem escolher a escola de seus filhos?

25/03/2022 às 15:32.
Atualizado em 25/03/2022 às 15:37

Hoje, no Brasil, o setor privado é responsável pela provisão de diversos serviços públicos, como assistência social, saúde pública, transporte público e mesmo educação pública, especialmente nas etapas infantil e superior. A provisão de educação pública pela iniciativa privada nos ensinos fundamental e médio, entretanto, ainda é um grande tabu no país.

Afinal, qual o papel reservado ao setor privado na educação pública no Brasil? E no resto do mundo?

O conceito de educação básica como direito remonta à Declaração Universal dos Direitos Humanos, na década de 1940, mais tarde incorporado ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e à legislação brasileira. O conceito é aprimorado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2012) e pela Declaração de Incheon (documento resultante do Fórum Mundial de Educação de 2015) e passa a incorporar elementos como a qualidade, a gratuidade e a equidade. Mas o que esses documentos dizem sobre o papel do setor privado na garantia deste direito?

Se a Declaração dos Direitos Humanos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não entram no mérito dos modelos de provisão da educação, a Declaração de Incheon trata do tema, destacando a importância do setor privado na oferta de educação pública - desde que isso se dê de forma transparente, não gere desigualdade e o ensino ofertado esteja alinhado às prioridades locais e respeite os direitos humanos. Em outras palavras, a participação da iniciativa privada é bem-vinda.

E o que diz a nossa legislação? Nossa Constituição, em seu artigo 205, determina que a educação pública será promovida com a colaboração da sociedade. E em seu artigo 213 estabelece, de forma clara, que os recursos públicos podem ser dirigidos a escolas privadas. Como se não bastasse, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 70, deixa claro que a compra de vagas e bolsas na rede privada constituem gastos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).

Então, toda nossa legislação aponta que, sim, a participação do setor privado na oferta de educação pública é bem-vinda no Brasil e recursos públicos podem ser usados para financiar parcerias privadas na educação básica.

Então por que isso não ocorre em maior escala e por que os estudantes brasileiros seguem reféns do monopólio estatal da educação pública, sua baixa qualidade e suas frequentes greves?

Apesar da Emenda 108, que constitucionaliza o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em nada alterar a abertura ao setor privado, a lei que o regulamenta cedeu a pressões corporativas e estabeleceu que, para fins de distribuição de recursos, não serão consideradas as vagas adquiridas pela rede pública junto a instituições privadas. Na prática, a regra inviabiliza a expansão do setor privado na educação pública ao subfinanciar essa modalidade, quando o que deveríamos fazer é garantir aos Estados e prefeituras o financiamento da educação pública independente do modelo escolhido, como já ocorre em diversos países do mundo.

Na Holanda, por exemplo, 70% das vagas de educação pública são ofertadas por escolas privadas. No Chile, cerca de 30%. Na Suécia, Dinamarca e Nova Zelândia, 10% a 15%. Além de ser amplamente utilizado nos Estados Unidos, na Colômbia, no Equador e na Índia. Tal sistema permite ainda que as famílias tenham o direito de escolher o modelo de escola que querem para seus filhos, escolha que hoje no Brasil é restrita às famílias ricas.

Por aqui, mantem-se o apartheid educacional. A mesma elite que mantém seus filhos em bons colégios particulares nega ao mais pobre o direito de escolher onde estudar. Precisamos acabar com essa hipocrisia e garantir que os mais pobres também possam escolher se preferem que seus filhos estudem em escolas privadas ou estatais. Precisamos enfrentar o tabu da oferta privada de educação pública. E logo.

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