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Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Clínica Paulo de Tarso: Um lugar chamado cuidado

Publicado em 15/08/2025 às 06:00.

No bairro São Francisco, região da Pampulha, em Belo Horizonte, funciona há mais de 45 anos a Clínica de Transição Paulo de Tarso. Apesar da longa trajetória, o trabalho desenvolvido ali ainda é pouco conhecido fora do meio da saúde. A instituição é pioneira no Brasil e a única em Minas Gerais nesse formato, voltado para cuidados de transição, etapa intermediária entre a alta hospitalar e o retorno seguro para casa.

Com 112 leitos, a clínica atua de forma integrada. Cada paciente recebe um plano terapêutico individualizado, coordenado por médicos e uma equipe transdisciplinar que reúne profissionais como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. O objetivo é promover reabilitação, readaptação e reinserção social.

O modelo de atendimento adotado é conhecido como “High Touch”, que coloca paciente e família no centro das decisões. A proposta é tratar da forma correta, no tempo e no local adequados, com qualidade, segurança e humanização. Esse formato permite uma assistência pautada em excelência, buscando o equilíbrio entre a técnica e o acolhimento.

A clínica é o elo entre o hospital e o lar, e se articula com serviços públicos e privados para que essa transição seja segura e efetiva, articulando-se com redes públicas e privadas, operadoras de saúde e outros serviços. Ao receber pacientes que ainda necessitam de acompanhamento, mas não precisam permanecer em hospitais de alta complexidade, ajuda a liberar leitos nessas unidades e a reduzir a sobrecarga do sistema.

Ao visitar a instituição, é possível perceber que o cuidado não está restrito aos tratamentos médicos. No ginásio de reabilitação, por exemplo, há sempre movimentação. Pacientes realizam exercícios acompanhados por profissionais, na maioria das vezes com o apoio de familiares ou cuidadores. Em uma sala, uma terapeuta ocupacional apresenta um ambiente que simula uma casa. Nesse espaço, os pacientes treinam para realizar atividades cotidianas, como deitar-se, levantar-se, usar o banheiro ou preparar uma refeição. Esses exercícios têm o objetivo de recuperar a autonomia e preparar para o retorno ao lar.

Pequenos gestos também fazem parte do processo de recuperação. Durante a visita, o profissional responsável por aquela área se comunicava à distância com uma paciente, enviando beijos e aguardando que ela repetisse o gesto. A interação, que parecia apenas um ato carinhoso, era também um exercício para trabalhar músculos faciais e coordenação motora, por mais que a paciente não percebesse isso. O treino era acompanhado de sorrisos e de uma clara sensação de conquista.

A vida social da clínica é reforçada por atividades coletivas. O solário é um dos espaços onde isso acontece com frequência. Voluntárias da Associação Parentoni, criada após a perda de um familiar, cuidam da decoração e organização de festas temáticas. No dia da visita, preparavam um painel para celebrar a chegada da primavera. Essas ações, além de trazerem cor e movimento ao ambiente, contribuem para o bem-estar emocional dos pacientes e de quem trabalha por lá.

Parcerias com grupos voluntários ampliam as atividades. Entre eles estão o projeto 1000 Sorrisos, que promove momentos de descontração, e as visitas do canil da Polícia Civil, que estimulam interação e afeto. Essas iniciativas ajudam a manter o vínculo dos pacientes com a comunidade e a quebrar a rotina hospitalar.

O trabalho realizado na Clínica Paulo de Tarso depende também de apoio externo. Empresas, doadores individuais, parlamentares e instituições parceiras colaboram para manter a estrutura e financiar melhorias. A participação da sociedade é considerada essencial para que o serviço continue a atender com qualidade e ampliar sua capacidade de atuação.

Histórias de ex-pacientes reforçam a importância do que é feito ali. Após publicar nas redes sociais uma foto da visita, recebi a mensagem de uma amiga chamada Luciana. Ela contou que, há quatro anos, ficou internada na clínica depois de sofrer um AVC hemorrágico e que fez todo o processo de reabilitação no local. “O hospital é muito bom, sou muito grata”, disse. A fala simples resume o sentimento de muitos que passam por ali: reconhecimento pelo cuidado recebido.

O ambiente da clínica difere do de um hospital tradicional. Não há a sensação de pressa nem o distanciamento excessivo. O que se percebe é um ritmo próprio, resultado da combinação entre atenção técnica e escuta ativa. Em cada setor, seja no ginásio, nas áreas comuns ou nos quartos, há a preocupação de tratar o paciente como alguém que está em processo de retomada de vida, e não apenas como mais um paciente que tem uma doença ou sequela.

O conceito de cuidados de transição ainda é pouco conhecido no Brasil, mas especialistas apontam que ele pode ser determinante para melhorar a eficiência do sistema de saúde. Sem essa etapa, muitos pacientes recebem alta sem condições adequadas para voltar para casa, o que aumenta o risco de complicações e reinternações. Ao oferecer um espaço de preparação e acompanhamento, a Clínica Paulo de Tarso contribui para reduzir esses riscos e para promover um retorno mais seguro e estável à rotina.

A experiência de quem visita o local revela que a reabilitação vai além de exercícios físicos ou tratamentos médicos. Trata-se de reorganizar a vida cotidiana, reconstruir confiança e restabelecer vínculos. O trabalho envolve também os familiares, que recebem orientação e apoio para lidar com a nova realidade e para participar ativamente da recuperação.

Mesmo com resultados reconhecidos, a clínica ainda é pouco conhecida fora do meio especializado. Ampliar a divulgação e o entendimento sobre o que é o cuidado de transição pode ajudar a ampliar o acesso da população a esse tipo de atendimento.

Em Belo Horizonte, a Clínica de Transição Paulo de Tarso representa uma experiência concreta de como a técnica, a estrutura adequada e a atenção humanizada podem caminhar juntas. Ao longo de mais de quatro décadas, consolidou-se como referência nacional, mas mantém a essência de acolher cada pessoa de forma única. É um exemplo de que cuidar não é apenas tratar doenças, mas oferecer condições para que o paciente volte a viver com qualidade, dignidade e autonomia.

Ao visitar o Hospital Mont Serrat, em Salvador, a Dra. Karoline Apolônia me apresentou um quarto com vista para o pôr do sol e disse que aquele seria o leito dela quando precisasse de cuidados paliativos. Os pacientes do quarto riram, confirmando a beleza que contemplavam todos os dias. Aquela fala me transportou para uma reflexão durante minha visita à Clínica Paulo de Tarso: se eu estivesse transitando por aqueles corredores não como visitante, mas como paciente, como gostaria que fosse o atendimento, o ambiente e o meu tempo ali dentro?

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