Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Esses somos nós! “This Is Us”

Publicado em 08/07/2022 às 06:00.

Tio Flávio*

Quando a professora sugeriu, durante a aula do curso de Tanatologia que faço pelo Núcleo Singularidade, que deveríamos assistir à série “This Is Us”, eu anotei no cantinho do caderno para consultar depois. Cheio de material para estudar, não seria agora que eu recorreria àquela indicação.

Um dia, chegando em casa muito cansado, procurei alguma coisa leve para assistir, de forma que não precisasse pensar muito. Queria apenas ligar a TV para descansar a minha mente. Não achei nada agradável e fui, então, atrás daquela indicação da professora, que não entrou em detalhes do que se tratava, só alertando que a série reflete o seu dia a dia.

Despretensiosamente, comecei a ver. Não tinha percebido, até então, amigos próximos comentarem sobre a série e, por isso, nem imaginava do que se tratava. Como diz a amiga Fernanda Greco, do Instituto Adotar, o problema da série é que dá vontade de maratonar. Verdade, mas ela é muito longa, tendo cerca de 18 episódios em cada uma das seis temporadas, o que poderia tornar a maratona longa. Feliz engano.

Não é que a história vai nos conquistando pela simplicidade com que trata assuntos densos. De repente eu estava diante da vida real, abordada de maneira muito bem construída, como se eu tivesse num divã vendo minha vida passar ali diante de mim. Problemas cotidianos eram tratados naquela trama de um casal que, em tendo tudo preparado para a chegada de trigêmeos, viu-se numa situação trágica, marcada por um caminho inesperado que resultou na adoção de um filho negro para completar o trio.

Sim, nada disso que eu falei aí tem a ver diretamente com a minha vida, mas os sentimentos envolvidos em determinadas situações casam-se perfeitamente com coisas pelas quais passei e que me fazem criar uma identificação com as cenas. Eu nunca tive trigêmeos, nunca perdi um filho, mas tive expectativas e, também, já perdi algo na minha vida, várias vezes, e aquele sentimento demonstrado na série tem comunhão com os que passei em outras situações.

A série trata de traumas que a gente vê nascer e se desenvolver nos diversos personagens. De tudo ela consegue abordar: do luto à violência doméstica; do bullying ao preconceito racial; dos traumas de uma guerra a questões relacionadas à adoção tardia; do alcoolismo ao desemprego e por aí vai. Enfim, quando você se dá conta, percebe que é, de alguma forma, sobre sua vida que eles estão falando.

Ainda nos primeiros episódios resolvi compartilhar os meus sentimentos numa rede social. Uma enxurrada de mensagens foi sendo colocada por pessoas que já assistiram a todas as temporadas e se diziam órfãs, já que a sexta é a derradeira temporada. 

Eu ainda estou na quarta temporada. Um fato que desde o início eu sei - e você saberá também - que vai acontecer, que é a morte prematura do pai, é revelado num dos episódios da segunda temporada. É quando o acidente acontece e, neste momento, tive que parar um pouco. Tive muita ansiedade com a luta de alguns personagens diante dos vícios. Em uma das cenas em que um dos filhos, adicto, se exercita olhando para as garrafas de álcool, o coração aperta. Eu nem consumo bebidas alcoólicas mais, mas ali falava dos meus vícios e das minhas batalhas contra eles.

Não ache que a série é triste. Ela tem os momentos de tristeza, que nos marcam bastante, já que nosso cérebro é programado para dar mais atenção a estas questões. Porém, ela é cheia de vida. A forma como aquele casal criou aquelas crianças é linda demais e é, talvez, o mais belo ensinamento que vi até então. Eu acho, sinceramente, que todos os pais deveriam assistir com os seus filhos e conversarem bastante sobre cada episódio.

E ainda falo mais: ela é um exercício de empatia, pois mostra uma visão 360º das situações e a gente desconstrói muitos julgamentos cristalizados em nós.

Assisti a um filme chamado “A sabedoria do Trauma”, com Dr. Gabor Maté, que é cirúrgico ao falar como que traumas infantis, como muitas daquelas situações mostradas no filme, impactam em toda a nossa vida. E participando de um webinário sobre saúde mental, promovido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes e a Coordenadoria da Infância e da Juventude, ambos do TJMG (disponível no youtube da EJEF), a pesquisadora Cristina Correa Diniz Peixoto explica cientificamente, mas de maneira bem didática, a influência, para toda a vida de um indivíduo, dos aspectos traumáticos ocorridos na gravidez e nos primeiros anos da criança. Percebe-se claramente o poder que esses traumas têm na constituição da saúde física, emocional e mental de crianças e adolescentes. A série fala disso e nos explicita a importância de cuidarmos da família (círculo de proteção), da infância e das nossas relações.

* Palestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural

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