A visita ao Jardim Alvorada foi marcada por um sol generoso, desses que insistem em aquecer o que o asfalto ainda não cobre. As ruas de terra levantavam uma poeira fina, quase dourada, que o vento espalhava com descuido. Era ali, em meio a um vai e vem de gente, que a esperança encontra espaço para florescer. O bairro, em Ribeirão das Neves, é o retrato de muitas periferias brasileiras: onde o Estado chega com atraso e a solidariedade costuma chegar primeiro. A iniciativa social é quem cuida do essencial, é quem faz as festas para as crianças e presta ajuda aos moradores.
Quem caminha por aquelas ruas sente logo que a carência material não anula a força coletiva. Foi nesse cenário que Leandro Alves Martins, o Léo, como todos o chamam, decidiu fazer da educação sua ferramenta de reconstrução. A história dele não começou com discursos nem com verbas, mas com dor. Filho de um pai que lidava com o alcoolismo e de uma mãe que enfrentava o desespero com coragem, Léo aprendeu cedo que, quando o mundo parece ruir, o conhecimento pode ser um abrigo.
Na Vila Jardim Alvorada, ele cresceu entre as limitações e as possibilidades. Enquanto alguns viam apenas o que faltava, Léo começou a enxergar o que poderia ser criado. Fundou o Instituto “O Grito” com a convicção de que a educação é mais que alfabetizar: é devolver o direito de sonhar. Com o tempo, O Grito se tornou um jeito de ser, e não apenas uma instituição, capaz de ecoar em diversos espaços da comunidade.
As marcas físicas da ONG também são visíveis. Uma praça reformada aqui, um muro colorido ali, um espaço público recuperado, o CEP digital que permite que os moradores recebam suas encomendas com dignidade. São detalhes que, para quem olha de fora, podem parecer pequenos, mas que, para quem vive ali, significam pertencimento. Ter um endereço reconhecido é, em muitos casos, o primeiro passo para se sentir parte de uma cidade que antes os ignorava.
Léo costuma dizer que o Grito não é dele, mas de todos. Ele apenas deu forma àquilo que muita gente já sentia, mas não sabia como expressar. Seu caminho foi de lavrador, pedreiro, sobrevivente da violência doméstica, homem que enfrentou a depressão e encontrou, na escuta do outro, uma maneira de se reerguer. Hoje, ele é líder social, gestor, referência. Mas, antes de tudo, é um educador, não o que ensina lições prontas, e sim o que desperta nas pessoas o desejo de escrever suas próprias histórias.
O IV Encontro do Clube do Grito, realizado recentemente, mostrou que o sonho coletivo amadureceu. Empresários, artistas, lideranças sociais e representantes do poder público se reuniram para celebrar algo maior que um evento: um pacto. O pré-lançamento do primeiro clube de benefícios com impacto social do Brasil trouxe a tecnologia para o lado da solidariedade. Pela plataforma, qualquer pessoa poderá contribuir com os projetos e acompanhar o resultado em tempo real. Cada doação se transforma em “Gritos”, uma moeda simbólica de quem acredita que a generosidade pode ser organizada, transparente e eficiente.
Durante o evento, enquanto os convidados aplaudiam, Léo lembrou que o Grito nasceu do silêncio: das vielas esquecidas, das salas de aula improvisadas, das vozes que a cidade não ouvia. Hoje, esse silêncio foi rompido. E o som que se ouve não é apenas o de aplausos, mas o de crianças aprendendo, de jovens sendo capacitados, de idosos voltando a sorrir, usando seu talento para seu próprio sustento. É o som de uma comunidade que se reconhece capaz.
A educação, nesse contexto, é mais do que uma política pública. É um gesto político e humano. É ela que ensina alguém a dizer “eu posso” quando tudo ao redor parece dizer o contrário. É ela que cria pontes entre o menino da periferia e a empresária que quer ajudar, entre o voluntário e o gestor, entre o aluno e o professor que o inspira. Educar é costurar esses vínculos onde antes havia potencial disperso.
Ao caminhar de volta pela Vila Jardim Alvorada, a tarde caía com velocidade. Enquanto isso, senhoras estavam em uma sala fazendo crochê e conversando. É o que a ciência chama de saúde social, a busca por evitar o isolamento, ainda mais de pessoas idosas. Dentro de uma das casas, crianças faziam biscoitos. Em uma oficina, adolescentes aprendiam a lidar com a ferramenta Canva. Num contêiner, especialistas do Grito pensavam em moradias dignas. Pelas ruas, com coletes, de casa em casa, estavam funcionários da ONG que acompanham as famílias.
O Grito é mais do que o nome de um instituto. É a expressão de um povo que cansou de esperar e decidiu agir. É o eco de uma juventude que não quer ser silenciada. É o som das mães que aprenderam a lutar antes mesmo de serem mães. É o chamado de quem sabe que, para transformar um país, é preciso começar pela esquina, pela escola, pela vizinhança.
Educar é isso: abrir janelas onde só havia muros. E integração é o que mantém essas janelas abertas: o poder público que escuta, o setor privado que investe, a comunidade que participa. Quando esses três se encontram, o que nasce é um país mais inteiro, mais humano, mais justo.
Enquanto deixava o bairro, pensei que talvez o O Grito não fosse um som de dor, mas de vida. Porque gritar, ali, é o mesmo que existir. E, quando a educação ecoa junto, o que antes era silêncio se transforma em canção.