Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Por uma sociedade sem racismo

Publicado em 15/03/2024 às 06:00.

Quando toda uma torcida de um time de futebol imita sons de macaco para um jogador adversário, ela consegue escancarar um problema que está absorto na cultura e na estrutura de uma sociedade. O que está em questão não é um posicionamento moral, individual, mas um problema estrutural, como diz a filósofa Djamila Ribeiro.

A ideia de tentar parecer melhor que os outros é bastante disseminada como forma de convivência, mas o que eu percebo quando observo uma pessoa querendo se sobrepor a outra pela arrogância e soberba é que, de tudo isso, o que sobressai mesmo é a ignorância, o abandono e uma dor que não se cura.

Além do ambiente que normatiza quem é superior e quem não é, há na própria pessoa um grande vazio, que a faz estar sempre em busca de ser preenchido, sendo aceito por alguém ou um grupo mas, pela inabilidade, tende a achar outros caminhos para ter a falsa sensação de superioridade: ou se apega a um cargo, a um sobrenome, a um título de reconhecimento, ou se dedica à maldade deliberada: “puxar tapetes”, “perseguir”, usar da fofoca para desqualificar e humilhar.

A psicoterapeuta e escritora londrina Philippa Perry argumenta: “seus pais faziam você sentir algum mal-estar, ou alguma inadequação, ou mesmo alguma responsabilidade pelo mau humor deles? Se isso aconteceu com você, é facílimo tentar compensar sua sensação de inadequação fazendo outra pessoa se sentir inadequada”.

Esses traumas passados dizem muito sobre a reação das pessoas no presente e sobre os sentimentos que elas carregam e não deram conta de decantar. Gabor Maté, um médico húngaro-canadense especialista em traumas infantis, diz que a criança não se traumatiza porque sofre. O trauma vem da criança sofrer sozinha e não conseguir cicatrizar as suas feridas.

Dito isso, estas são as formas que entendo para que alguém se dê ao trabalho de imitar um macaco para ofender uma pessoa: um adoecimento basal, que se não for tratado com especialistas pode levar a pessoa ao isolamento, depressão, adoecimento mental e à morte.

Sim, eu sei que parece exagero, mas uma pessoa que não dá conta de lidar com as diferenças e, pior, insiste em querer subjugá-las ou eliminá-las, busca nessas atitudes uma sensação de preenchimento do seu vazio interior ou de congelamento de sua própria história, marcada por algo que ela não consegue suportar.

Um dia desses, navegando pela internet, vi uma notícia que esteve presente em boa parte das mídias mineiras. Um aluno negro, de uma escola particular e de natureza católica de Belo Horizonte, num grupo da turma de terceiro ano do ensino médio, percebeu figurinhas preconceituosas que destoavam do objetivo do grupo e do senso de moral e ética que deveria ser praticado por qualquer indivíduo. Para evitar que tal situação se repetisse, este aluno foi à diretoria, relatou o ocorrido, no que teve a garantia de que o fato seria apurado.

Dias depois, descendo as escadas junto a toda turma, cantando o hino da sala e participando de uma atividade de entretenimento que serve para aliviar o estresse do último ano no ensino médio, este mesmo aluno fica sabendo, pela maioria dos amigos, que dois colegas, envolvidos na história da figurinha,  haviam imitado sons de macaco nas suas costas. Como o diretor da escola já estava ciente do primeiro fato, somou agora este novo acontecimento, prometendo que o setor jurídico da instituição se dedicaria a entender o que havia acontecido.

Mas, infelizmente, um confronto entre os dois alunos, o jovem negro e o suposto praticante do crime de injúria racial, fez com que a situação tomasse uma direção diferente e uma maior dimensão. 

Nesse momento, indignados, os alunos tomaram partido do jovem que foi supostamente vitimado pelo racismo. Num fim de tarde de uma quinta-feira, os colegas programaram um protesto pacífico dentro da escola, em que todos levariam camisas de cor preta e vestiriam no interior da instituição. Pelo Instagram, outras unidades do mesmo colégio foram acionadas, fazendo com que no dia seguinte os adolescentes e jovens estudantes se unissem, num movimento lindo e emocionante, para dizerem que ninguém suporta racismo.

A consciência e a mobilização daqueles estudantes pode ser um legado para as unidades dessa escola que, além das questões jurídicas para averiguar, agora se prepara para levar o tema preconceito para discussões que visam ao letramento cultural e social da comunidade escolar.

Aqui provoco a ampliação da discussão para todas as diferenças que encontramos na humanidade e, logo, na escola. Que alunos de diferentes orientações sexuais, atípicos, lgbtquia+, negros, religiosos, indígenas, mulheres, etc, possam ser respeitados no fato e terem o direito de serem quem são. Djamila Ribeiro diz que é importante nomear as opressões, já que não podemos combater aquilo que não tem nome. 

Que as nossas crianças sejam mais amparadas, as famílias, fortalecidas, independentemente da formação que tenham, e os adolescentes experimentem um protagonismo de mudanças efetivas, para o bem de todos nós.

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