Ele esperou o ano inteiro por aquelas férias. Seriam os sonhados trinta dias. Um número bonito, redondo, que parecia conter a promessa de tudo o que lhe faltava: descanso, leveza, liberdade, mesclados a um tanto de tempo ocioso e sem preocupações. Durante meses, riscou no calendário, dia após dia, imaginando-se deitado numa rede, ouvindo o barulho do mar e sentindo o vento bater no rosto. Queria fugir da pressa, do relógio, dos compromissos que o empurravam de um lado para o outro e que pautavam a sua vida. Ele escolheu a imagem certa para colocar em suas redes sociais, com os dizeres imensos alardeando que estaria ausente.
Quando finalmente chegou o dia, o alívio era quase físico. Desligou o notebook, despediu-se do trabalho com um sorriso e partiu para o Nordeste, levando na bagagem alguns livros, protetor solar e a esperança de reencontrar a si mesmo.
Nos quatro dias seguintes, entregou-se ao descanso. Dormiu longas horas, sem culpa. Deitou-se em silêncio para ver as nuvens passarem. Leu um livro inteiro deitado numa espreguiçadeira, parando vez ou outra apenas para ouvir o som das ondas do mar. Parecia, enfim, ter encontrado a paz que buscava.
Já a partir do nono dia, algo começou a mudar. As manhãs ficaram parecidas umas com as outras. Os restaurantes já não tinham segredos e o pôr do sol, sempre lindo, passou a ser parecido com os outros dias. Sem perceber, ele havia recriado a rotina de onde fugira: os mesmos horários para as coisas, os mesmos trajetos, os mesmos gestos repetidos. A vida, mesmo à beira-mar, voltava a ter sabor de tédio, tanto que ele já estava mais tempo no celular do que havia planejado e se prometido.
Foi então que se deu conta de algo simples e profundo: não era o lugar que cansava, era o modo como ele habitava o tempo. A pressa e o automatismo haviam vindo junto na mala. O corpo estava de férias, mas a mente seguia em expediente.
Naquela tarde, resolveu fazer o mesmo. Deixou o celular no quarto, saiu sem destino e começou a andar sem pressa, olhando com curiosidade o que antes passava despercebido: a cor da água mudando conforme o sol se movia, o cheiro do mar se misturando com o das algas, o som dos vendedores de picolé, a textura da areia fria sob os pés.
Não era preciso fazer grandes planos, nem preencher o dia com atividades. Era só estar ali. Respirar o tempo, viver o momento, criar memórias, sem que a cobrança por isso fosse imperativa.
Ele pensou: talvez a vida inteira seja assim, da gente correndo tanto para chegar ao descanso que esquece de descansar no caminho. Esperamos o fim de semana, as férias, a aposentadoria, o “depois”, como se o tempo bom fosse um prêmio. Mas o tempo bom é o agora, se a gente souber degustá-lo.
Tali Sharot e Cass Sustein, no livro “Olhe de novo”, dizem que o segredo é “engolir de uma só vez o que é ruim e saborear, aos poucos, o que é bom”. E talvez seja isso mesmo. Passamos tanto tempo mastigando as amarguras: os erros, as decepções, as falas atravessadas, que alguma coisa da vida passa a escorrer pelos dedos sem que notemos. E foi assim que nos ensinaram: na escola, a brincadeira e a diversão só podem ser no recreio; no trabalho, o descanso é só nas férias.
Quando voltou das férias, ele não trouxe lembranças de lojas, nem fotos posadas diante do mar. Trouxe um caderno cheio de anotações breves: o gosto de um peixe grelhado, o riso de uma criança que passou por ele no calçadão, a cor que o sol pintava o céu ao entardecer, o cheiro do café servido por uma senhora que lhe disse algumas palavras com uma ternura de amizade antiga.
E uma promessa silenciosa: criar pequenas férias dentro dos dias comuns. Não sei bem como isso pode se dar na sua rotina, mas é preciso entender o que o Imperador Romano Augusto dizia: “Apressa-te, devagar”.
As pausas não dependem de feriados, nem de trinta dias no calendário. Elas cabem na vida quotidiana, se a gente pensar diferente. São como pequenas praias escondidas dentro de nós, esperando que o barulho das ondas nos lembre que ainda há tempo, sempre há tempo, de retomar com mais calma.
As férias verdadeiras são aquelas que a gente tira quando decide descansar do controle, do desempenho, da pressa de ter que aproveitar tudo.