Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

‘Preciso tirar férias’. Quem nunca disse isso?

Publicado em 10/10/2025 às 06:00.

Ele esperou o ano inteiro por aquelas férias. Seriam os sonhados trinta dias. Um número bonito, redondo, que parecia conter a promessa de tudo o que lhe faltava: descanso, leveza, liberdade, mesclados a um tanto de tempo ocioso e sem preocupações. Durante meses, riscou no calendário, dia após dia, imaginando-se deitado numa rede, ouvindo o barulho do mar e sentindo o vento bater no rosto. Queria fugir da pressa, do relógio, dos compromissos que o empurravam de um lado para o outro e que pautavam a sua vida. Ele escolheu a imagem certa para colocar em suas redes sociais, com os dizeres imensos alardeando que estaria ausente.

Quando finalmente chegou o dia, o alívio era quase físico. Desligou o notebook, despediu-se do trabalho com um sorriso e partiu para o Nordeste, levando na bagagem alguns livros, protetor solar e a esperança de reencontrar a si mesmo.

Nos quatro primeiros dias, foi um turista entusiasmado. Ansioso por aproveitar tudo, acordava cedo, caminhava pela areia molhada, tirava fotos do sol nascendo, descobria restaurantes, ria sozinho diante de cardápios com nomes estranhos para pratos feitos de peixes e mariscos. Tudo era novo, fresco, vibrante. Até o tempo parecia mais lento, ou talvez fosse ele quem finalmente estivesse andando no ritmo certo.

Nos quatro dias seguintes, entregou-se ao descanso. Dormiu longas horas, sem culpa. Deitou-se em silêncio para ver as nuvens passarem. Leu um livro inteiro deitado numa espreguiçadeira, parando vez ou outra apenas para ouvir o som das ondas do mar. Parecia, enfim, ter encontrado a paz que buscava.

Já a partir do nono dia, algo começou a mudar. As manhãs ficaram parecidas umas com as outras. Os restaurantes já não tinham segredos e o pôr do sol, sempre lindo, passou a ser parecido com os outros dias. Sem perceber, ele havia recriado a rotina de onde fugira: os mesmos horários para as coisas, os mesmos trajetos, os mesmos gestos repetidos. A vida, mesmo à beira-mar, voltava a ter sabor de tédio, tanto que ele já estava mais tempo no celular do que havia planejado e se prometido.

Foi então que se deu conta de algo simples e profundo: não era o lugar que cansava, era o modo como ele habitava o tempo. A pressa e o automatismo haviam vindo junto na mala. O corpo estava de férias, mas a mente seguia em expediente.

Num desses dias, sentado na praia, observou uma criança brincando sozinha. Ela construía e destruía alguma coisa na areia, rindo quando as ondas levavam tudo. A cada perda, recomeçava. E ele percebeu que a menina não esperava que o tempo fosse generoso, ela o criava, um castelo de cada vez.

Naquela tarde, resolveu fazer o mesmo. Deixou o celular no quarto, saiu sem destino e começou a andar sem pressa, olhando com curiosidade o que antes passava despercebido: a cor da água mudando conforme o sol se movia, o cheiro do mar se misturando com o das algas, o som dos vendedores de picolé, a textura da areia fria sob os pés.

Não era preciso fazer grandes planos, nem preencher o dia com atividades. Era só estar ali. Respirar o tempo, viver o momento, criar memórias, sem que a cobrança por isso fosse imperativa.

Ele pensou: talvez a vida inteira seja assim, da gente correndo tanto para chegar ao descanso que esquece de descansar no caminho. Esperamos o fim de semana, as férias, a aposentadoria, o “depois”, como se o tempo bom fosse um prêmio. Mas o tempo bom é o agora, se a gente souber degustá-lo.

Tali Sharot e Cass Sustein, no livro “Olhe de novo”, dizem que o segredo é “engolir de uma só vez o que é ruim e saborear, aos poucos, o que é bom”. E talvez seja isso mesmo. Passamos tanto tempo mastigando as amarguras: os erros, as decepções, as falas atravessadas, que alguma coisa da vida passa a escorrer pelos dedos sem que notemos. E foi assim que nos ensinaram: na escola, a brincadeira e a diversão só podem ser no recreio; no trabalho, o descanso é só nas férias.

Aprender a viver as pausas é um exercício de delicadeza. É reconhecer que o silêncio também fala, que o ócio também produz, que parar não é perda de tempo: é o tempo ganhando sentido. As pausas nos devolvem o que a correria rouba: a capacidade de sentir.

Quando voltou das férias, ele não trouxe lembranças de lojas, nem fotos posadas diante do mar. Trouxe um caderno cheio de anotações breves: o gosto de um peixe grelhado, o riso de uma criança que passou por ele no calçadão, a cor que o sol pintava o céu ao entardecer, o cheiro do café servido por uma senhora que lhe disse algumas palavras com uma ternura de amizade antiga.

E uma promessa silenciosa: criar pequenas férias dentro dos dias comuns. Não sei bem como isso pode se dar na sua rotina, mas é preciso entender o que o Imperador Romano Augusto dizia: “Apressa-te, devagar”. 

As pausas não dependem de feriados, nem de trinta dias no calendário. Elas cabem na vida quotidiana, se a gente pensar diferente. São como pequenas praias escondidas dentro de nós, esperando que o barulho das ondas nos lembre que ainda há tempo, sempre há tempo, de retomar com mais calma.

As férias verdadeiras são aquelas que a gente tira quando decide descansar do controle, do desempenho, da pressa de ter que aproveitar tudo.

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