Quando minha mãe sofreu uma queda em casa, na varanda, tentando apanhar no pé de pinha uma linda fruta já madura, acabou lesionando os quadris, a mão com a qual ela se apoiou na queda e um dos braços.
As dores estavam intermináveis e ela precisou de mais do que uma consulta, foi necessário chamar a ambulância para conduzi-la ao hospital. Os dias de internação pareciam sem fim, pois o ambiente hospitalar não é o mais agradável. Minha mãe rezava por sua melhora, com a intenção de extinguir a dor e para voltar para o seu lar.
Lembro que ao estudar sobre cuidados paliativos, vários pacientes que não tinham uma expectativa prolongada de vida pediam para passarem seus últimos dias em casa, onde há todo um repositório de memórias, a familiaridade com o espaço e o aconchego de pessoas e das próprias coisas que compõem aquele cenário.
Minha mãe passou por um procedimento cirúrgico, teve a alegria de ser atendida por médicos bem atenciosos. Dizia às enfermeiras: “desculpa, tá? Mas ‘velho’ gosta de conversar”, justificando o tanto que ela puxava de assunto com as enfermeiras.
Aqui tenho que fazer uma pausa pra uma reflexão justa: quantas histórias de pessoas se cruzam por ali, naqueles quartos? Pacientes com seus motivos diversos para estarem num hospital. Funcionários, com sua carga de vida, que encontram pacientes, em um momento de dor e esperança.
A funcionária que entrava no quarto para fazer a limpeza sempre vinha discreta, dando bom dia e reconhecendo com quem estava lidando. Ao ser bem recebida, ela se permitia entregar, ouvindo, conversando e deixando o leito mais cheiroso, confortável e humano.
As enfermeiras e enfermeiros, que invadiam o quarto na madrugada, tinham que acender a luz e acordar a todos, com os medicamentos e as medições. Mas quando isso é feito com afeto, ameniza qualquer cruz que há de se carregar. Esta metáfora pode ser entendida para aqueles que necessitam do tratamento e para o que presta.
A pessoa que servia a alimentação, ao entrar no quarto impactava a todos com um cheirinho discreto de comida feita na hora mas, para além disso, trazia um sorriso não treinado, que era do seu jeito de ser.
As inúmeras vezes que tocávamos a campainha chamando ajuda, seja para levantar minha mãe ou para a troca de uma fralda e a enfermeira chegava bem disposta, com profissionalismo, fazendo o que tinha que ser feito, mas com uma cobertura adicional de atenção.
Todas aquelas pessoas carregam suas alegrias e seus problemas, também. Como dizia Bauman: estamos todos numa multidão e numa solidão ao mesmo tempo. Esta solidão é a angústia, preocupação com algo que está fora dali, mas que não se destaca de nós.
Um médico tem que ser profissional, mas nunca tive notícias de que exista em algum manual a instrução de não agir com humanidade. A gente precisa de pessoas humanas, que coloquem empatia, dignidade e respeito nas relações que desenvolvem, nos cargos que desempenham.
Lembro de uma história antiga, que não sei se foi inventada e nem se aconteceu de fato, mas todos usavam como exemplo empresarial. Um paciente, vendo um funcionário bem simples num hospital, queria uma informação e perguntou àquele homem: “o que o senhor faz aqui?”, referindo-se à função que ele desempenhava na empresa, no que ouviu como resposta: “eu salvo vidas”, disse aquele funcionário da equipe de limpeza. Lógico, ele está certíssimo, e a ideia da história, nas aulas de empreendedorismo, era justamente esta: seu funcionário sabe qual é o negócio central da sua organização?
Diante de tantos relatos de falta de humanidade no atendimento de saúde, que desrespeitam os direitos de cidadãos e, pior, que desconsideram as pessoas, temos tantos outros casos de serviços profissionais bem prestados e que não são só tecnicamente bem conduzidos, mas vão para além disso.
Humanização não é manual de normas. Isso pode até ser necessário, mas não funciona se o ambiente e a cultura das empresas não estiverem respirando esta ideia.
Na disciplina de Endomarketing, que lecionei por anos em pós- graduações, falávamos que a adesão do número um da organização (gestores) é imprescindível para que as ideias tenham lastro e aderência. Nestas mesmas aulas eu dizia: não basta a empresa pedir aos seus funcionários que sorriam para os clientes. Metaforicamente falando, é preciso que a empresa sorria antes para seus funcionários, senão, nada se sustentará.
O que melhora um paciente num hospital não é só a qualidade de tecnologia implementada e medicamentos administrados, mas o ambiente que a todos acolhe lhes dá a sensação de que essas vidas importam. E tudo aquilo que importa, no próprio significado da palavra, faz morada dentro de cada um de nós.
*Professor, palestrante e fundador do Tio Flávio Cultural.