Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Ribeirão das Neves empossa primeiro Conselho da Comunidade

Publicado em 08/12/2023 às 06:00.

“Foi aqui que eu tive a oportunidade de fazer um curso para começar a trabalhar na unidade”, me dizia um custodiado de um presídio mineiro. “Minha vida nunca foi fácil, me iludi com o dinheiro que vinha das coisas erradas, dei mais valor às novas amizades, que queriam o mesmo que eu: mulher, dinheiro, fama, poder, aceitação, noitadas e ‘causar’”, completa.

Este mesmo jovem, de 23 anos, disse que sempre mandava “catús”, que são pedacinhos de qualquer papel que sobre na cela, contendo escrito algum pedido para os setores da unidade prisional. No caso dele, era para o setor de produção e Pedagogia, pedindo uma oportunidade de trabalho e estudo. Mas, assim como ele, outros tantos pedem a mesma coisa, insistentemente, para que consigam estudar, remir a pena, aprender algo novo, passar o tempo, sair da cela, mudar as conversas e o ares da rotina prisional.

Porém, quando a resposta chega, dizendo que não teria nenhuma atividade na qual ele poderia participar, o desespero toma conta de um, que se espalha para os outros.


Isto bem que pode não parecer um problema seu, nem meu, mas quando pensamos que uma massa carcerária que não tem acesso a educação ou a atividades que promovam reflexões, ampliações de perspectivas e cultura, um dia voltará para o convívio da sociedade, tendo passado anos num ambiente em que as sanidades física, emocional e mental são colocadas à prova, isto nos afeta a todos. Se este hiato entre a prisão e a liberdade não for bem trabalhado, todos saímos perdendo.

Racionalmente, perde-se dinheiro ao investir tão mal num sistema que escancara as mazelas sociais e que não consegue resolver problemas anteriores, já que não lhe compete este papel, mas que ao se mostrar ineficaz, agrava ainda mais aquilo que já não é bom.
O fato é que se a sociedade não encarar as prisões como um problema seu, o Estado por si só não dará conta de fazer o que se deve, contribuindo para aquele velho ditado ser real: “quando o tiro saiu pela culatra”.

Assim, quando juízes que estão à frente das varas de execução penal conseguem estimular a criação de conselhos da comunidade nas comarcas, quem sai ganhando somos todos nós, uma vez que o olhar para o indivíduo agora ganha um novo aliado. Como bem disse o Dr. Mário Ottoboni, criador da metodologia Apac, “as coisas só têm significado quando as conhecemos”. 

É o conselho da comunidade quem articula, com outros diversos atores sociais, a oferta de cursos profissionalizantes, atividades educativas não-escolares, suporte ao desenvolvimento de atividades internas da unidade prisional e, também, o acompanhamento da execução da pena. Ele é imprescindível para que aquilo que já dissemos ocorra de fato: potencializar o tempo da pessoa privada de liberdade para ele seja produtivo e que consiga resolver algumas lacunas externas, como a da profissionalização, o que impacta diretamente na reinserção desses homens e mulheres na sociedade.

 
Lembro muito da música Guerreiro Menino, do saudoso Gonzaguinha, que diz “O homem se humilha, se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida e vida é o trabalho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. E sem a sua honra, se morre, se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz!”.

E olha que Gonzaguinha, que escreveu esta música em plena ditadura, não está fazendo uma alusão de que o “sonho castrado” seja a busca pela riqueza que se concretizaria pela dedicação ao trabalho. Trata-se exatamente de todas as outras coisas que desaparecem quando somente pelo trabalho e pela riqueza vive o homem.

Assim, o conselho da comunidade não existe para conseguir vaga de trabalho, mas para promover a dignidade de pessoas e, consequentemente, de uma sociedade. É tendo em mente esta importância que se consegue proteger a sociedade através do fazer crescer algo novo em cada indivíduo. E foi pensando assim que se deu posse, no início do mês de dezembro, ao Conselho da Comunidade de Ribeirão das Neves, que é a maior comarca mineira da execução penal.


Segundo a Juíza Bárbara Isadora Santos Sebe Nardy, da Vara de Execuções Penais da cidade de Ribeirão das Neves, responsável por instalar o primeiro conselho da comunidade da comarca, “este é um órgão da execução penal que vai permitir a cooperação da sociedade nas atividades da execução da pena. O conselho é de extrema importância porque ao mesmo tempo em que ele tem a função de fiscalizar o cumprimento ou a violação de direitos nas unidades prisionais, também servirá de conector das pessoas privadas de liberdade e das que trabalham nas unidades com a própria sociedade, na medida em que busca os meios materiais e humanos para permitir a ressocialização, que representa o êxito em devolver para a sociedade um cidadão útil e não pior do que entrou”.

Tomaram posse o presidente Edson Flávio Pinheiro Santos e Rosely Carlos Augusto como vice-presidente. Míriam Estefânia dos Santos como secretária e Thiago César Carvalho dos Santos como tesoureiro. 

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