A tristeza é algo que todos vamos conhecer na vida. Não existe ser humano imune a ela. Ela aparece nas despedidas, nos fracassos, nos dias em que o silêncio pesa mais do que muitas palavras. Mas há uma diferença importante entre a tristeza passageira, essa que de vez em quando cisma em nos visitar, que bagunça a sala e, depois de um tempo, vai embora, e aquela tristeza profunda, persistente, que muda o comportamento, altera rotinas e ocupa todos os espaços da casa interior. Quando ela se prolonga, é preciso olhar com atenção. Pode ser um sinal de alerta.
Um outro tema bem sério e que merece bastante atenção, que reacende todos os anos nos meses de setembro e que não pode ser explicado por um único fator, é o suicídio. Seria leviano reduzir o suicídio a um quadro depressivo ou a uma decisão repentina. Ele é multifatorial, como nos lembra a psicóloga Luciana Rocha em seu livro “Nem covarde, nem herói”. São questões biológicas, sociais, econômicas, culturais e familiares que se entrelaçam de maneira complexa. Não há uma causa única, nem um único “porquê” que dê conta de explicar o assunto.
Esse olhar mais amplo é fundamental para que a gente não caia em explicações fáceis, aquelas que, embora possam ser bem-intencionadas, só aumentam a dor de quem fica.
Foi só quando Dona Vera escutou uma explicação em um curso que fez que a libertou: aquelas estatísticas, divulgadas sem o devido cuidado, podem ser mais prejudiciais do que preventivas. Porque induzem familiares a acreditar que havia uma solução simples e que eles falharam por não enxergar. Dona Vera chorou. Percebeu que a dor da filha não poderia ser resumida em uma porcentagem e que o amor que dedicou em vida não se anula pelo desfecho da história.
O relato de Paulo também nos mostra como a realidade escapa das fórmulas prontas. Seu filho, depois de uma tentativa de autoextermínio, apresentou uma melhora tão visível que todos acreditaram na recuperação definitiva. Ele voltou a sorrir, retomou alguns projetos, parecia mais leve. Foi justamente nesse momento que a família se viu respirando de novo, até que o filho amado, que escondia sua real situação sob o manto de uma falsa melhora, encerrou a sua vida. Paulo conta esta história como uma ferida aberta. Ele não entende como, diante de tanta melhora, a tragédia ainda assim aconteceu.
A psicologia nos ensina que, muitas vezes, essa melhora aparente precede uma nova tentativa. A família acredita no recomeço. E aí se instala a surpresa devastadora. Por isso que buscar ajuda especializada é uma possibilidade a mais para o enfrentamento do suicídio. Amigos e familiares podem não ter o ferramental necessário para lidar com estas situações. Um especialista estuda e vive o assunto.
Já Carla traz outra dimensão dessa reflexão. Depois da morte da filha, ela recebeu inúmeras mensagens nas redes sociais. Gente que, com boa intenção, repetia: “se precisar conversar, estou aqui”. E isso se prolifera no tal do setembro amarelo. Palavras que, ditas assim, podem até confortar por alguns segundos, mas que carregam uma armadilha: a de oferecer um apoio para o qual não se tem preparo.
Carla lembra que buscou uma conhecida disposta a escutá-la. Desabafou, chorou, abriu o coração. No entanto, ouviu como resposta que sua filha deveria estar em um “limbo espiritual”. Em vez de acolher, a frase feriu ainda mais. “Isso não consola ninguém”, disse ela. A boa intenção não basta. É preciso cuidado. É preciso reconhecer os próprios limites de quem ouve uma história ou uma confissão que carrega tanta dor.
O que Luciana Rocha nos traz em seu livro é que quem morre por suicídio não é covarde nem herói. É alguém que, em meio a um sofrimento imenso, não encontrou saída. E quem fica precisa ser amparado, não julgado. O nome disso é pósvenção: o cuidado com aqueles que sobrevivem à perda.
Mas há um inimigo silencioso nesse processo: a psicofobia, o preconceito contra as doenças mentais. Enquanto fingirmos que está tudo bem, continuaremos a repetir equívocos. Enquanto acreditarmos que bastam frases motivacionais para “levantar alguém da cama”, vamos agravar o isolamento de quem sofre.
A vida pede mais responsabilidade. Se você não é profissional, pode oferecer companhia, um gesto concreto, uma mão estendida. Mas não se substitui a necessidade de um atendimento especializado. O “conte comigo” precisa vir acompanhado de “vamos juntos procurar ajuda”. É assim que se rompe o tabu.
Talvez a maior lição dessas histórias seja a de que, diante da dor, a gente precisa aprender a não simplificar. O silêncio pode matar, mas a palavra equivocada também fere. Melhor do que estatísticas é a escuta. Melhor do que clichês é a presença respeitosa. Melhor do que julgar é compreender.
O suicídio continuará a ser um tema difícil. Não existem respostas prontas.
Dona Vera, Paulo e Carla seguem com suas histórias. Ninguém supera a perda de alguém que se ama. Cada um encontrou formas distintas de seguir adiante, de lidar com a dor e ressignificar a vida. Mas todos ressaltam que, quando falamos de suicídio, não estamos falando de estatísticas, mas de pessoas. De vidas únicas, complexas, insubstituíveis. O amor por quem foi não se apaga nem diminui. Por isso chamamos de amor.