Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Toda força à educação

Publicado em 04/07/2025 às 06:00.

Na minha infância, estudei na escola infantil José Bonifácio, em Santa Luzia, MG. Foi lá que conheci algumas das figuras mais marcantes da minha vida. Professoras que não apenas me ensinaram as primeiras letras, mas que plantaram em mim sementes que florescem até hoje. Isso porque, na infância, esse território fértil onde a ideia de mundo e a personalidade começam a se desenhar, as relações têm um peso imenso. É nesse momento que os valores se transformam em hábitos, e as crenças, em ações.

Os educadores da educação infantil e do ensino fundamental não têm apenas a linda missão de apresentar uma linguagem nova ao indivíduo. São eles que, de mãos dadas com as crianças, as conduzem até o mundo. É por meio da fala, da escuta, da escrita, da aceitação e dos valores compartilhados que esses profissionais constroem pontes entre o sujeito e a vida.

No Grupo Escolar Santa Luzia, como chamávamos antigamente as escolas de ensino fundamental, tive a sorte de ter aulas com mulheres tão marcantes que, até hoje, ao cruzar com alguma delas na rua, faço questão de parar. Não deixo passar ileso: venero, homenageio. Com um abraço apertado, um sorriso agradecido ou uma palavra de reconhecimento, mesmo sabendo que nenhuma palavra faz jus à grandeza dessas mulheres. Tia Solange, Tia Dulce, Tia Tú, Tia Maria Geralda... tantas educadoras que foram essenciais na minha travessia.

Foi na escola que recebi o acolhimento das cantineiras, a quem, com carinho, chamávamos também de "tias", tal como fazíamos com nossas professoras. E não era por acaso: elas estavam no campo da educação, contribuindo com a formação humana, o cuidado e a escuta. Juntas, reforçavam a base da educação primária, que começa na família, mas se fortalece na comunidade escolar.

Esses dias, ao acompanhar o movimento de greve dos professores das escolas públicas de Belo Horizonte, senti muitas coisas ao mesmo tempo. Fiquei feliz com a força de união da categoria. Vi imagens de um aulão, em plena Avenida Afonso Pena, que levou milhares de educadores às ruas — uma cena bonita de ver. Mas, confesso, a tristeza foi maior que a alegria. Porque, convenhamos, não era para ser assim. Professor não deveria precisar ir às ruas brigar por respeito, por salário digno, por condições mínimas de trabalho. Isso deveria vir antes. Deveria ser previsto, planejado, assegurado por aqueles que foram eleitos para cuidar do povo.

O papel dos políticos, nesse caso, deveria ser o de antecipar os problemas. De agir com responsabilidade, de repor perdas salariais com agilidade, de se unir em torno de uma causa que é de todos: a educação. Onde estão os representantes do povo? Eles é que deveriam estar sentados ali, na porta da prefeitura, com cadeiras escolares colocadas no passeio, se fosse preciso, exigindo que o respeito à categoria docente seja pauta de governabilidade, e não moeda de troca em jogo político.

Volto os olhos para Santa Luzia, a cidade onde cresci. Lá, apenas dois dos vinte e um vereadores votaram contra a proposta de transferir para o município a gestão das escolas de ensino fundamental, uma responsabilidade que o Estado tenta repassar. Dois, no meio de vinte e um. 

Tenho familiares que atuaram, ou ainda atuam, como professores municipais. Tenho amigos próximos que vivem o dia a dia da sala de aula, enfrentando uma rotina que exige esforço sobre-humano. São profissionais que, mesmo diante de um cenário de precarização, continuam firmes, carregando a educação nas costas, porque acreditam. Porque têm compromisso. O que eles precisam? De apoio. Não apenas da população, mas, sobretudo, dos agentes públicos. O mínimo seria reconhecer o quanto já está difícil e não empurrar esses profissionais ainda mais para o abismo do descaso.

Parabéns aos familiares que compreendem essa luta e se posicionam ao lado dos educadores. Fiquem atentos. Observem quem está, de fato, do lado da educação e quem só quer se aproveitar do momento para tirar vantagem política. Observem as ações em longo prazo, a reputação, as omissões e pautas incorporadas por cada um deles. Porque, se a educação chegou a esse ponto de esgotamento, isso não é culpa dos professores. O sucateamento é fruto de um conjunto de decisões, de negligências, de interesses ocultos — e também de muitos silêncios.

Quero deixar claro uma coisa que observo nas escolas com frequência: há muito mais educadores sérios, comprometidos e engajados do que pessoas que atrapalham o processo. E é essa maioria que merece ser reconhecida, apoiada, valorizada. Quem está fora da sala de aula muitas vezes não tem ideia da complexidade do trabalho de um educador. Planejar, cuidar, ouvir, reinventar-se a cada aula, acompanhar o desenvolvimento emocional de dezenas de crianças e adolescentes, isso tudo exige preparo, sensibilidade, entrega.

Há algumas pessoas nas redes sociais, provavelmente desinformadas, pois não acredito que seja apenas mau-caratismo, que dizem que, se os professores não querem trabalhar, que saiam, peçam demissão; que são todos comunistas; que ganham mais do que deveriam. Isso revela uma ignorância profunda, fruto da falta de informação ou de uma distorção cognitiva que impede o indivíduo de enxergar além de sua própria fantasia.

Quando existe um problema social, ele diz respeito a todos nós. Confúcio já dizia: se o indivíduo vai mal, a família vai mal. Se a família vai mal, o condado vai mal. Se o condado vai mal, tudo vai mal. O raciocínio também vale no sentido inverso: se a cidade se enfraquece, a comunidade adoece, a família perde o rumo, o indivíduo se desestrutura. E se a escola enfraquece, o futuro fica em suspenso.

É preciso respeitar a educação. E se isso ainda não for hábito, que a gente aprenda, então. 

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