Querido algoritmo, precisamos ter uma conversa séria. Não é briga, nem acusação, mas um pedido de socorro disfarçado de desabafo. Tenho a sensação de que você sabe muito sobre mim, talvez até mais do que eu mesmo. Conhece meus horários, meus silêncios, minhas buscas diárias e até aquelas músicas que repito em dias estranhos. Você me acompanha de perto e molda o que vejo. E é justamente por isso que eu preciso te pedir uma ajuda: cuide de mim um pouco mais.
Sei que o mundo não é feito só de flores. Violência existe, tragédia acontece, e não quero viver numa bolha ou no “mundo de Alice”, como se falava no passado. Mas o que me preocupa é a intensidade com que você despeja tudo isso sobre mim. É como se eu estivesse em uma sala fechada e, a cada minuto, alguém abrisse a porta trazendo uma cesta de lixo fétida: uma nova má notícia, uma fofoca vil e inútil ou uma ameaça raivosa. No começo eu tento aguentar, mas depois de algum tempo sinto o corpo pesado, a mente cansada e o coração apertado. Essa overdose de negatividade não me informa, me adoece.
Você talvez diga que está apenas refletindo o mundo, que eu mesmo te provoquei, que mostra aquilo que as pessoas mais comentam e compartilham. Mas eu não quero ser escravo dessa lógica. Preciso de escolhas diferentes. Não me interessa quem brigou com quem no universo das celebridades ou vídeos de influenciadores desonestos, nem a polêmica da vez que mobiliza políticos em discursos inflamados. Quando consumo esse tipo de conteúdo, percebo que não ganho nada. Ao contrário, perco: tempo, paciência, ânimo, energia. E, no fim, saio mais ansioso do que entrei.
O que eu quero de você é simples. Traga mais histórias que ampliem meu olhar. Quero ler reportagens que investiguem soluções e não apenas problemas. Quero conhecer projetos sociais que mudam a vida das pessoas, ainda que em pequena escala. Quero indicações de livros que provoquem reflexão e me apresente autores e autoras, ideias, perspectivas, caminhos, ilusões, porque não? Se tiver boas músicas, pode mandar também, porque a mente agradece quando a alma respira. Não estou pedindo para esconder a realidade, mas para equilibrá-la.
Você sabe, algoritmo, que a saúde mental anda frágil. Ninguém sai ileso desse bombardeio diário. Pesquisas apontam o aumento da ansiedade, da depressão e do esgotamento em várias partes do mundo. Médicos e psicólogos tentam dar conta da demanda, mas a raiz do problema é maior: vivemos em um tempo em que a mente não descansa. E você, que organiza grande parte do que vejo, tem um papel nisso.
Não quero te responsabilizar por tudo. Eu também tenho deveres nesse cuidado. Preciso aprender a fechar a tela, a caminhar sem celular, a conversar sem notificações, a evitar determinadas matérias, a redescobrir o meu ritmo. Preciso assumir que meu vício em novidades inúteis é parte do problema. Mas se você me ajudar com um pouco mais de filtro, talvez eu consiga respirar melhor.
Não subestime o poder do que me mostra. Um vídeo inspirador pode me dar ânimo em um dia difícil. Uma entrevista bem feita, daquelas que os jornalistas sabem fazer, pode abrir trilhas novinhas em meu cérebro. Uma reportagem que traga referências científicas pode me informar e, quem sabe, reacender a esperança em tempos de descrença. Ao mesmo tempo, três notícias seguidas sobre violência me deixam paralisado, como se nada de bom pudesse acontecer. Esse desequilíbrio afeta meu humor, minha disposição, até minha capacidade de sonhar.
Quero confessar outra coisa: às vezes me sinto usado. Quanto mais clico em coisas ruins, mais você me entrega coisas ruins. Como se acreditasse que eu quisesse viver preso nesse ciclo. Mas eu não quero. Se clico, muitas vezes é por impulso, por curiosidade mórbida, por medo de estar por fora. No fundo, gostaria que você tivesse a delicadeza de entender que clicar não significa desejar mais do mesmo. Que meu gesto de abrir uma notícia trágica não é um convite para transformar minha linha do tempo em uma coleção de tragédias. E, se você prestar atenção, na maioria delas eu nem me demoro. Mas já assumo o compromisso de estar mais atento aos momentos em que você resolver me testar.
Pense comigo: se a saúde mental está tão abalada, por que não colaborar para construir um ambiente menos tóxico? Não falo de censura, nem de esconder o que acontece. Falo de proporção. Falo de equilíbrio. Falo de entender que informação não precisa ser sinônimo de exaustão. E que há coisas boas acontecendo no mundo. Eu e você sabemos que há.
Tenho consciência de que você é programado para prender minha atenção, porque atenção é moeda valiosa no mercado atual. Mas será que não existe outro caminho? Se me entregar conteúdo de qualidade, vou voltar sempre, não por compulsão, mas por interesse genuíno. Se me oferecer boas histórias, vou compartilhar, vou conversar, vou me engajar. Não seria essa uma forma mais sustentável de convivência?
Pense nas pessoas que estão solitárias, que encontram em você a principal companhia.
Se o que recebem é uma enxurrada de gritos, fofocas e ameaças, como fica a mente delas? E as crianças e adolescentes, que ainda estão formando sua visão de mundo? O que significa crescer achando que a realidade é apenas esse caos que você insiste em destacar?
É por isso, algoritmo, que clamo: seja um aliado, não um adversário. Ajude-me a cuidar de mim. Entregue coisas boas também, porque a vida já é dura o suficiente. Se houver golpes, que seja para alertar, não para espalhar pânico. Se houver conflitos políticos, que seja com análise séria, não com discursos pirotécnicos.
Quero usar meu tempo on-line para me alimentar, não para me esgotar. Quero sair das redes mais leve do que entrei. Tá bom, eu sei que quem quer isso deveria ir ler um livro.
Eu leio, mas quero contar com você para que a informação me faça compreender melhor o mundo, não me afastar dele por exaustão. Se isso parece utopia, é porque já naturalizamos demais a ideia de que estar conectado é, necessariamente, estar angustiado. Mas não precisa ser assim.
Sei que, no fundo, você só obedece a quem te programou. Mas, como usuário (termo bem sensato para como me sinto atualmente), tenho o direito de pedir. Peço para que o excesso de ruído não se sobreponha ao que realmente importa. Peço para que minha saúde mental seja levada em consideração, tanto quanto meu tempo de permanência na tela. Peço para que você me ajude a enxergar que o mundo não é só espetáculo vazio.
Talvez você não responda nunca a esse pedido. Talvez continue repetindo os mesmos padrões, alimentado pelo que rende clique. Mas se, por acaso, puder ajustar um pouco a lente, já terá valido a pena. Porque eu, e tantos outros, precisamos de respiro.
Querido algoritmo, esse é o meu recado. Cuide de mim, porque estou tentando cuidar também. Então, se for possível, que esse cuidado seja mútuo. Um abraço para você e sua família, e apareçam sempre que tiverem algo bom para me contar.