Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Vai em paz!

Tio Flavio
Publicado em 12/08/2022 às 06:00.

Um conhecido postou em sua rede social uma história de quando foi ao Programa do Jô, naquelas excursões de alunos que a atração recebia. Durante a apresentação musical do ator Maurício Mattar, que se lançava como cantor. Este meu conhecido não deu conta e saiu do auditório, indo esperar o fim do programa no ônibus.

Passado algum tempo ele avista de longe o apresentador caminhando e entrando em seu carro. Ele, mais do que depressa, vai em direção ao multiartista e, chegando à sua janela, pede para tirar uma foto. Jô teria permitido e ainda perguntou se o jovem estudante queria que ele descesse do carro para fazer a foto. Depois ficaram ali conversando por uns poucos minutos, pois foi nesta hora que a turba começava a sair do auditório.

No dia em que o Jô Soares morreu, muita gente postou fotos dele ou com ele, além de vídeos das suas entrevistas, lembranças de algum momento específico da sua carreira como humorista, apresentador, escritor, diretor teatral ou como colega de profissão e amigo.

Vi na rede social de uma ex-aluna um caso bem interessante. Ela, que na época do acontecido tinha 16 anos de idade, pouco dinheiro e muita cara de pau, como ela mesma relata, foi assistir a um monólogo do Jô e, na saída, conseguiu falar com ele.

A Gabi Mancini, esta minha ex-aluna, entregou a ele um presente, uns biscoitinhos que ela mesma fazia, junto a uma cartinha que relatava que ela tinha dinheiro para uma só escolha: ou a peça teatral ou o livro e que havia escolhido o espetáculo.

Alguns dias depois ela recebeu, em casa, o livro autografado. Naquela época nem tinha redes sociais para viralizar este feito, mas a marca que o Jô deixou na Gabriella foi de generosidade e uma grande admiração.

Casos assim são tão legais de conhecer, que a pessoa fazia de maneira natural, que não era concebido para gerar engajamento, curtidas, este tipo de ópio que não existia àquela época, mas que mostrava, de fato, quem é que estava por trás daqueles personagens que marcaram época: um homem, inteligente e cuidadoso, zeloso com as suas relações.

Ressalto que não estou condenando postagens de entregas de presentes e ajudas sociais nas redes virtuais. Isso pode até estimular outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas, vocês também devem entender que há bastante diferença numa busca frenética por promover-se.

Nos depoimentos de amigos que trabalharam com o Jô, bem como das suas ex-namoradas e ex-esposas famosas, o mesmo carinho é relatado. Isto que falo aqui não é para fazer uma homenagem póstuma, apesar de que Jô Soares merece todas, afinal, qual de nós que não acompanhava os seus programas noturnos, sonhava para ser entrevistado por ele, ficava acordado até tarde, esperando-o se despedir com o “beijo do gordo”. Quem nunca brincou com uma das chamadas do seu programa: “não vá para a cama sem ele”?

Érico Veríssimo dizia que “na minha opinião o que importa não é homenagear os mortos, levando-lhes flores às sepulturas, e sim, tratá-los bem, com todo amor possível, enquanto estão vivos”.

Em meio às frases e bordões do artista, uma entrevista me chamou atenção e me emocionou demais. A sua mãe, Mercedes Leal, faleceu no Rio de Janeiro em um trágico acidente. Jô, que era bem discreto em sua vida pessoal, falou sobre este ocorrido numa entrevista ao jornalista Marcelo Bonfá.

“Mamãe morreu atropelada, em um dia de chuva terrível. O motorista do táxi não teve a menor culpa. Ela tinha 70 anos. O motorista socorreu minha mãe e levou para o hospital. Ele fez tudo certo. Só que ela teve uma fratura de base de crânio e não resistiu”, relata Jô Soares.

Um dia, pegando um táxi no aeroporto do Rio, no final do trajeto o motorista que o transportava, sensibilizado, revela algo antes do Jô descer do carro. O motorista disse que tinha sido ele quem atropelou a sua mãe, Mercedes, quando o apresentador tinha apenas 30 anos de idade.  “Só vou conseguir dormir no dia que o senhor me disser que me perdoa”, disse o motorista.

Jô então continuou a entrevista dizendo sobre a sua reação, que na mesma hora respondeu ao motorista: “Você está perdoado desde o dia que pegou a minha mãe, socorreu e ficou ao lado do meu pai até a minha mãe morrer. Você não teve culpa nenhuma. Eu te perdoo, você está mais que perdoado. Vai em paz”.

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