Acolhida no luto: grupos de apoio ajudam a ressignificar a vida e conviver com a saudade

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br | @patriciafsdumont
27/02/2020 às 18:01.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:46
 (Pixabay/Divulgação)

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Assimilar uma sequência de perdas não foi fácil para Aidecir Faria, de 50 anos, que viu partirem, no intervalo de uma década, dois irmãos e a mãe. Enfrentar as mortes e as incertezas que vieram com elas foi possível graças a pessoas que também vivenciavam o luto. Falar e ouvir ajudaram não só a professora a conviver com o vazio. Por meio de respeito, empatia e amor, grupos de apoio a enlutados amparam quem conviverá com a ausência de quem ama, facilitando o caminho para ressignificar a própria vida.Pixabay/Divulgação

Por meio de respeito, empatia e amor, grupos de apoio a enlutados amparam quem conviverá com a ausência de quem ama, facilitando o caminho para ressignificar a própria vida

“Aprendi a verbalizar e compartilhar a dor, a desfrutar do privilégio de estar viva, do direito de sofrer e de eternizar as lembranças”, resume. A professora lembra, ainda, que foi por influência de um dos exercícios propostos nos encontros – escrever uma carta para quem havia morrido – que surgiu a ideia de um livro.

Publicado em outubro do ano passado, “Perdas em Palavras” sintetiza morte, luto, saudade, amor, fé e parte da trajetória da autora e da família dela na reconstrução da vida após as mortes dos parentes. 

Pioneiro em BH

O grupo do qual Aidecir participou foi o GAL (Grupo de Apoio a Enlutados). Coordenado pela psiquiatra Mariel Paturle, fundadora da Sociedade de Tanatologia e Cuidados Paliativos de Minas Gerais (Sotamig), foi pioneiro em Belo Horizonte.

Criado há 12 anos, promove reflexões sobre morte, pós-morte, luto e sentimentos como raiva, medo e culpa, além de abordar o sentido da vida. “Não temos referência sobre como lidar com a morte. Estar num grupo onde todos tiveram uma perda significativa ajuda na noção de pertencimento”, diz a psicóloga Júnia Drumond, que coordena o GAL ao lado de Mariel.

As profissionais reforçam que os encontros ajudam na assimilação de sentimentos comuns no processo de luto – negação, raiva, barganha, tristeza ou depressão e aceitação. “É o pontapé para que essas pessoas encontrem caminhos de elaboração e entendimento para o que estão vivenciando”, coloca Júnia.

Inspiração

Inspirada no GAL, a psicóloga Ana Paula da Silva Maia criou, há oito anos, o Gaper (Grupo de Apoio a Perdas), que se reúne anualmente, durante nove terças-feiras, na Paróquia Santa Efigênia dos Militares, na região Leste de BH. 

O principal objetivo dos encontros é oferecer espaço de acolhimento e escuta. “É importante aproveitar para discutir sobre algo que na nossa sociedade ainda é um grande tabu. Ter este ponto de sustentação favorece a troca, a formação de novos vínculos e a construção de uma perspectiva de futuro”, resume Ana Paula.

Confira, abaixo, detalhes de alguns dos grupos de apoio a enlutados que existem em BH:Editoria de Arte

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Grupo da UFMG propõe rede de amparo à perda por suicídio

Quem enfrenta uma perda por suicídio também encontra apoio, empatia e sobretudo respeito num grupo criado pela UFMG há pouco mais de dois anos. O GAES, como foi batizado, surgiu como projeto de extensão da Faculdade de Medicina da universidade e firmou-se como espaço para compartilhamento da dor sem medo do julgamento alheio.

Moderadora voluntária do grupo, a psicóloga Vivian Zicker diz que os encontros ajudam a transpor barreiras que impedem a vivência do luto como processo natural. Uma das principais missões, segundo ela, é livrar os enlutados da culpa e da vergonha, que, não raro, acompanham quem sofre com esse tipo de perda.

“Morrer por suicídio não é socialmente aceitável. Tanto família quanto falecido são julgados. A culpa também é um sentimento comum e há a falsa impressão de que a morte foi uma escolha. Saber que é possível viver apesar da tragédia fortalece de tal maneira que muitos acabam ficando para ajudar e apoiar os outros”, diz a psicóloga.

Não existe superação no luto de pai e de mãe. É visceral, provoca perda de identidade. É como se perdessem a própria personificação do eu. O que há é uma mudança de estágio, uma tentativa de um dia viver em paz com aquilo” - , psicóloga e uma das fundadoras do Grupo Colcha, de apoio a perdas gestacionais e neonatais. O grupo se reúne quinzenalmente no bairro serra, em Belo Horizonte

Além da dor

Formado por pessoas impactadas das mais diferentes formas, o Grupo de Apoio a Enlutados por Suicídio não estabelece limite para o número de participantes que podem comparecer às sessões semanais de terapia. Nos encontros, todos são convidados a falar sobre a dor da perda e da alegria de terem vivido com quem partiu.

“Esse espaço de compartilhamento é muito importante. Falam também sobre a alegria de terem vivido com aquela pessoa, para que ela não se torne a corda ou o revólver que usou. Para que não fique marcada apenas por aquele último momento. No grupo, fazemos o resgate da pessoa como ser humano que teve uma história, situações engraçadas para contar, com uma vida a ser lembrada”, detalha Vivian Zicker.

A partir dos relatos dos participantes, também é possível delinear motivos que possam ter influenciado os casos de suicídio, tais como depressão, transtornos psicológicos e dependência química. “Falar sobre o adoecimento mental ajuda a liberar a culpa e abre espaço para a empatia”, justifica a psicóloga.

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