Com afeto e sabor: chefs resgatam lembranças e memórias para criar pratos da culinária afetiva

Patrícia Santos Dumont
05/12/2019 às 16:15.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:56
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

ngredientes frescos, temperos picados na hora, sabores que remetem a boas memórias. São essas as principais matérias-primas utilizadas por chefs de cozinha que escolheram privilegiar a culinária afetiva. Na comida de mãe ou comfort food, como também é chamada, o que vale são as experiências. Uma viagem no tempo e boa dose de técnicas são meio caminho andado para trazer à tona lembranças, alegrar o estômago e confortar o coração. 

Quem pensa no Xapuri, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, muitas vezes rememora algum momento especial da própria vida. Das panelas do chef Flávio Trombino, que assumiu a cozinha no lugar da mãe – fundadora do negócio ao lado do pai dele –, saem mais que saborosas receitas. Brotam comidas com história. “São pratos de raiz, que têm afetividade”, diz Flávio, citando algumas das preferências dele e de quem frequenta o local. “Frango preguento, costelinha da sinhá, carré ao melaço e os tradicionais frango ao molho pardo e com quiabo”, enumera o cozinheiro. 

Flávio conta que garimpou nas memórias da infância, quando passava as férias no Norte de Minas com os pais e primos, as referências de que precisava para montar o cardápio da casa, cuja culinária é baseada na comida mineira. O kaol dele, por exemplo, é servido em formato de espetinho, de finger food, mas leva os ingredientes da receita tradicional: cachaça, arroz, ovo e linguiça. Maurício Vieira

LEITÃO BÊBADO - Releitura de Flávio Trombino tem suíno assado imerso em gordura por oito horas

Comida de mãe

Cozinheira com quase 20 anos de experiência e professora nas Faculdades Promove, na capital, Cidinha Lamounier também tem preferência pela comida que toca a alma – a dela e a de quem prova. Frango com ora-pro-nóbis, angu (o “de verdade”, sem tempero), costelinha com canjiquinha e bambá de couve são alguns dos pratos que a chef faz questão de perpetuar, inclusive entre os alunos. 

À frente da Cantina e Restaurante Escola da faculdade, a cozinheira volta no tempo – e a Mariana, na região Central do Estado, onde passou a infância – ao comandar as panelas.

“Busco nas minhas lembranças tudo o que faço. Morava ao lado de uma pensão e via a dona cozinhar todos os dias. Na hora do almoço, era ela quem me dava comida. Minha mãe e tia também cozinhavam muito bem. São essas coisas que trago”, revela. 

No cardápio da chef estão alho e cebola picadinhos na hora, salsinha e cebolinha preparadas como antigamente (nada repicado) e até bife acebolado com tomate em pedaços fartos. “É isso que encanta. Por isso as pessoas vêm, cada vez mais, procurando estudar, fazer cursos. O mineiro se abraça através da comida, do torresminho, do tutu de feijão. As relações afetivas têm ficado raras, assim, comer um prato com memória é uma oportunidade de sentir esse aconchego”, coloca Cidinha.Maurício Vieira

FRANGO COM ORA-PRO-NÓBIS - Professora de Gastronomia, Cidinha Lamounier viaja no tempo para preparar as receitas: “simplicidade no fazer”

Completo

Chef e proprietário do Rullus, um dos buffets mais requisitados de BH, Henrique Gilberto também abraçou a ideia de levar à mesa aquilo que o faz feliz – do começo ao fim da experiência. Inaugurada há pouco mais de um ano, a Cozinha Tupis tem pratos itinerantes, que acompanham a lógica do local onde está instalada – o Mercado Novo, no Centro da cidade. 

“O que determina é a efemeridade com a qual trabalho. Estou dentro de um mercado que distribui alimentos e muda semanalmente”, explica, mencionando dois dos pratos afetivos icônicos do estabelecimento. “Molho pardo, que, sem dúvida, interpreta uma sensação. E a borda de lasanha, que não é a lasanha propriamente dita, mas aquela parte mais disputada do prato – a borda tostadinha, crocante”, detalha. 

Henrique diz que o grande objetivo dele na cozinha é colocar uma lupa naquilo que acredita ser o papel de um prato. “Transmitir sensação de conforto, de acolhimento. É isso que determina a cozinha atualmente”, afirma o chef.

Técnicas certas ajudam a otimizar tempo, apurar sabor e aprimorar resultados

Embora pareça impensável preparar comidas simples utilizando técnicas específicas, isso é totalmente possível, garantem chefs de cozinha experts no assunto. Cortar os legumes na espessura adequada, utilizar a chama certa do fogão e até escolher o melhor método de cocção fazem diferença não só no percurso, mas no resultado. 

Professora de Gastronomia das Faculdades Promove, no bairro Prado, região Oeste de Belo Horizonte, Cidinha Lamounier diz que os processos certos ajudam a apurar as receitas. Riva Moreira

TORRADA DE BARRIGA - Cozinha Tupis, de Henrique Gilberto, mescla técnicas, conforto e nostalgia para encantar o cliente

“Aprendi a cozinhar ainda criança, por dom e intuição. Da academia trouxe técnicas que, aplicadas no dia a dia, ajudam a me organizar melhor, reduzem o desperdício e melhoram os resultados”, afirma, citando a escolha por cozimentos lentos, que conferem mais sabor aos pratos. “O angu, por exemplo, perde o amargor característico do milho”.

Experiência perfeita

Chef e proprietário do Rullus Buffet e do Cozinha Tupis, ambos em BH, Henrique Gilberto, um apaixonado por comida afetiva, também não abre mão dos processos certos e do uso de técnicas adequadas para alcançar os resultados desejados. “Tudo é a experiência”, resume o cozinheiro, que utiliza o melhor das próprias memórias para criar os pratos servidos nos dois negócios. 

Veterano na capital, Flávio Trombino, do Xapuri, também não abre mão de aplicar conhecimentos adquiridos em anos de profissão. Releitura de um prato tradicional (aquele do porquinho com a maçã na boca), o leitão bêbado é feito confitado, ou seja, imerso em gordura quente – uma técnica mais sofisticada.

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