PATRÕES APÓS OS 60

Conhecimento, habilidade e muita disposição levam cada vez mais idosos a empreender em Minas

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
Publicado em 17/07/2022 às 08:00.
Hoje com 70 anos, Conceição cria peças em patchwork: muito mais que ganho financeiro (Arquivo pessoal)

Hoje com 70 anos, Conceição cria peças em patchwork: muito mais que ganho financeiro (Arquivo pessoal)

Nada de descanso após a aposentadoria. Prova de que os idosos são uma crescente força de trabalho no Brasil, aos 60 anos, casado e pai de três filhos adultos, o engenheiro civil Virgílio de Lara Resende resolveu empreender. 

“A vida toda trabalhei como gerente de planejamento e controle e tinha colocado em mente que tinha condições e habilidades para abrir um negócio próprio”, diz ele, que em janeiro do ano passado abriu uma franquia da rede francesa de lavanderias 5àSec. Comanda uma equipe, mas sempre que necessário, vai para trás do balcão atender a clientela. 

“Me sinto saudável e produtivo e quero continuar assim, pois sou de uma família em que prezamos o trabalho também como uma forma de mantermos o corpo e cérebro em funcionamento. Quero ainda deixar um bom legado para meus filhos”. 

Virgílio não está sozinho na busca por se tornar o próprio patrão após a aposentadoria. Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor realizada pelo Sebrae mostra que a proporção de donos de negócio com 60, 65 anos ou mais é 7% do total no país. Pode parecer pouco, mas não é. Além do mais, a tendência é de crescimento desse percentual.

Para a analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa (Sebrae/MG), Laurana Viana, o crescimento de empreendedores nesta faixa etária está assentado em dois motivos: aumento da expectativa de vida, que cresce a cada dia e a ausência de vagas no mercado formal de trabalho para quem está na faixa etária depois de 50 anos. 

“São pessoas que acumularam conhecimentos, habilidades, maturidade profissional e isso gera uma população que quer trabalhar, mas não encontra vagas no mercado. Sem encontrar espaço no mercado de trabalho, o empreendedorismo acaba sendo uma opção”, avalia Laurana.

Xô, medo
Em outro estudo, o Towards a Longevity Dividend, feito pelo Centro de Longevidade do Reino Unido (ILC), afirma que existe uma relação direta entre longevidade e produtividade no trabalho nos idosos. A conclusão é que pessoas que já passaram por várias fases da vida e não despendem tempo criando filhos ou na busca por algum tipo de formação, sejam mais comprometidas com o trabalho, além de mais rápidas e seguras na tomada de decisões.

Sem medo da instabilidade econômico gerada pela pandemia, Olga Maria Rodrigues da Silva também decidiu abrir um negócio próprio no ano passado, como uma microempreendedora individual (MEI).

Apesar de ter trabalhado como cozinheira por muitos anos, ela se considerava iniciante na confeitaria, mesmo já se dedicando a confecção de doces nos últimos quatro anos. No grupo de confeitaria “Empreendendo no Lar Doce Lar”, participou de palestras de incentivo à capacitação até investir na produção própria e comercialização. 

Aos 61 anos, Olga ensina, acima de tudo, a correr atrás dos sonhos. “Me apaixonei pela confeitaria e meu foco agora é trabalhar sobretudo com doces finos e quem sabe entrar no mundo dos eventos e festas de Ribeirão das Neves e da região metropolitana. Por que não?”, questiona. Por que não?

Costureira conseguiu transformar hobby em negócio 

Maria da Conceição Pereira de Assis está hoje com 70 anos. Natural de Conceição do Mato Dentro, região central de Minas Gerais, mudou-se para Belo Horizonte aos 19 anos, onde começou a trabalhar como empregada doméstica.

Após fazer curso técnico de enfermagem, passou a trabalhar no Hospital das Clínicas da UFMG, onde, em função de problemas de saúde, se aposentou anos depois. 

Para superar o vazio que sentia com a aposentadoria precoce, passou a se dedicar ao artesanato e à costura. Foi assim que conheceu a técnica do patchwork.

“O patchwork me salvou. Além de gerar renda para que eu pudesse criar meus quatro filhos, a costura preencheu minha vida, deu sentido a ela. Sou uma pessoa que conseguiu empreender com aquilo que gosta”, celebra. 

Conceição, como é conhecida por familiares, amigos e clientes, faz de tudo um pouco com os pedacinhos de pano que une com destreza e dedicação. Nas mãos hábeis, viram porta moedas, bolsas, mochilas, carteiras, capas de agendas, itens para berços e tudo o mais que a criatividade permitir e os clientes quiserem. 

“Estou viva e feliz hoje por causa do meu trabalho. O patchwork permitiu que, enquanto eu fazia uma peça, me reconstruía enquanto pessoa. Até hoje eu me construo todos os dias. É uma vivência a cada dia e a cada item criado”, conclui.

Sem parar
A psicóloga e sexóloga Sônia Eustáquia da Fonseca, de 71 anos, pontua que o trabalho ajuda a dar sentido à existência. Ela mesma trabalha com a psicologia clínica há 44 anos e não pretende parar. “Ter uma rotina de levantar-se cedo, fazer exercícios físicos e trabalhar não me cansa. Ao contrário! Acredito que estamos no mundo para fazer uma ligação com o outro e o trabalho ajuda neste processo”, avalia.

Sônia ainda compartilha suas experiências de vida e de profissão com recém-formados em psicologia. Atua supervisionando voluntariamente grupos de jovens psicólogos. Com vitalidade e energia, ainda encontra tempo para fazer atendimentos voluntários na paróquia do bairro Serra, onde reside, em Belo Horizonte. “É muito bom ter seu lugar no mundo e, para mim, ocupo esse lugar sempre fazendo alguma coisa. O ócio também é muito bom, mas eu gosto de me manter ativa e me sinto feliz em poder fazer escolhas em relação ao trabalho”.

Saiba mais
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que em 2050 o Brasil terá 30% de sua população com idade acima dos 60 anos. 

Projeção do Ipea (Instituto de Ciências Sociais Aplicadas) aponta que, até 2040, metade da força de trabalho no Brasil terá mais de 50 anos. 

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