Diretor de 'A Era do Gelo' e 'Rio', Carlos Saldanha põe seu nome na história da animação

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
24/08/2018 às 14:43.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:05
 (Edison Vara/Pressphoto/Divulgação)

(Edison Vara/Pressphoto/Divulgação)

GRAMADO - “Toy Story” – o primeiro longa-metragem 100% digital, lançado em 1995 - era apenas uma ideia no papel quando o brasileiro Carlos Saldanha chegou aos Estados Unidos com a intenção de fazer um curso de desenho de três meses. Tinha retomado a vontade de pôr em prática o seu sonho, abandonado pelos senões dos pais, que viam na atividade nada que pudesse garantir segurança financeira. Para agradá-los, partiu para a informática. E eles também estavam certos, já que os conhecimentos adquiridos à frente do computador abriram caminho para o que viria a se tornar: um dos nomes mais importantes da animação no mundo, após dirigir sucessos como “A Era do Gelo” e “Rio”.

“Sim, era o cara no lugar e momento certos. Naquela época, ninguém sabia desenhar em computador. Havia muitos pintores bons, mas que não conseguiam trabalhar da mesma maneira no computador. Tive essa vantagem enorme”, recorda Saldanha, durante entrevista em Gramado, na serra gaúcha, onde o cineasta recebeu homenagem num dos festivais de cinema mais tradicionais do país. Na noite de sábado (18), ele subiu ao palco do Palácio dos Festivais e finalizou o discurso de agradecimento lembrando que fez “carreira praticamente lá fora e ganhar um prêmio no Brasil tem um gostinho muito especial”.

Nascido no Rio de Janeiro, Saldanha fala como alguns de seus personagens que não abandonaram a luta mesmo nos momentos de dificuldade. Ainda no Brasil, noivo e trabalhando na parte de informática de grandes companhias, após se pegar gastando mais tempo nas telas de introdução dos programas e na criação de logotipos do que fazendo programação, resolveu que era hora de viajar para os EUA e contar histórias usando o computador. “Quando sentei em frente a uma máquina e consegui desenhar, já no primeiro dia de curso, percebi que era isso que queria fazer para o resto da vida”, lembra o cineasta, que estudava sem parar, praticamente virando o dono do laboratório de informática.

“Quase dormia na escola. Ligava para a minha esposa e dizia que voltaria para casa, para ela não se preocupar, mas que seria às nove horas da noite. Muito sacrificante, mas acredito muito nessa ideia de que as coisas acontecem quando têm que acontecer, desde que você queira muito e corra atrás, aspectos que lhe ajudam a chegar no objetivo. Tudo tem uma razão de ser. É preciso ter os canais abertos para captar os momentos certos e não ter medo de mudar de rumo. Sigo o meu instinto até hoje. Quando ouço uma história ou tenho uma ideia, acredito muito no primeiro momento, que é o mais puro de sua imaginação. Depois, você é influenciado por várias outras coisas”, salienta.

Nos Estados Unidos, seu talento com o mouse chamou a atenção de professores, um deles – Chris Wedge, codiretor de “Robôs” e do primeiro “A Era do Gelo” – o levou para a Blue Sky, que se transformaria numa das principais produtoras de animação do mundo em parceria com a Fox. “Não tinha dinheiro, mas um professor me disse que eu tinha talento e me recomendou fazer o mestrado, mexendo os pauzinhos para eu conseguir uma bolsa. Fiz dois curtas e ganhei muitos prêmios. Já me preparava para voltar ao Brasil, após dois anos e algum know how, quando o Chris me chamou para trabalhar com ele na Blue Sky, que era pequenininha, com 20 pessoas”, lembra.

A animação digital ainda engatinhava e, carregando “o sonho de fazer um filme algum dia”, a dupla realizou muitos comerciais. “Certa vez chegou um projeto de comercial, que não tinha orçamento. Era para uma companhia telefonia e tinha que ser bem barato. Aí peguei e fiz tudo quase sozinho, dentro do orçamento. E foi ótimo. Ele ganhou vários prêmios, entre eles um Clio. Com isso, me tornei um diretor conceituado, passando para a codireção com o Chris. Desenvolvi a minha linguagem e, um dia, o diretor da Fox falou que deveria fazer um projeto só meu, com a minha pegada. Foi assim que tive a ideia de fazer ‘Rio’, mas com a condição de lançar primeiro ‘A Era do Gelo 2’”.

Saldanha era o único brasileiro trabalhando nos grandes estúdios na época e tomou para si a responsabilidade de produzir uma animação sobre o seu país. A história de um papagaio gringo que vem para a América do Sul e descobre a sua brasilidade foi seguida à risca pela equipe de animadores, que desembarcou no Brasil e fez o mesmo itinerário do pássaro. “Todos viraram experts em Brasil”, ressalta. O filme ganhou uma continuação e uma terceira, revela o cineasta, já está sendo pensada. “Sempre quando lançamos um trabalho, outros dois estão sendo alinhados – uma continuação e outra, original. Damos a largada e aguardamos quem vai avançar mais, ganhando a corrida”, diverte-se.

Série brasileira pela Netflix

Após 25 anos de Blue Sky e sete filmes produzidos, o cineasta se lança no desafio de se enveredar por filmes de live action. “Quando tive a oportunidade de fazer um episódio de ‘Rio, Eu Te Amo’ (2013), foi incrível. Adorei trabalhar com atores. Depois disso passei a procurar algo que me desafiasse novamente. Duas coisas que aprendi com a animação foram contar uma boa história e criar personagens. Na animação, porém, cada filme demora muito, cerca de quatro anos. Em live action, eu consigo fazer mais projetos. E acredito que posso usar os meus conhecimentos em produções brasileiras sem precisar abrir mão do que estou fazendo”, assinala Saldanha, às voltas com a série “Cidades Invisíeis” para a Netflix.

Protagonizada por um detetive que, ao investigar um assassinato, se mete numa batalha entre dois mundos, envolvendo-se com o sobrenatural, a série terá oito episódios e a intenção de Saldanha é dirigir, pelo menos, a abertura. “Não é para criança. Mas tem elementos de fantasia e mistério, falando sobre a cultura brasileira”, registra. Apesar do sucesso com o público infantil, o diretor sempre brinca dizendo que faz filmes para adultos, mas que deixa as crianças assistirem. “A animação tem uma vantagem muito boa, que é poder falar de assuntos fortes e polêmicos de uma maneira sutil. Você mostra um bicho falando e a só os adultos percebem”, destaca.

Membro da Academia que concede anualmente o Oscar, prêmio máximo da indústria do cinema, ele vê com bons olhos a criação da categoria de melhor filme popular. “Fazemos reuniões freqüentes e o maior desafio é a média de idade dos acadêmicos, que é muito elevada. Neste sentido, estamos buscando uma inovação para trazer o público jovem, fazendo um movimento para outros filmes terem a oportunidade de entrar (na disputa). Os dez longas indicados,  em sua maioria, não são vistos pelos jovens e, somando o orçamento deles, não dá um ‘Pantera Negra’ ou ‘Vingadores’. A nova categoria é a oportunidade de criar uma conexão um pouco maior com esse público”, avalia.

A questão da representação de gênero e raça no cinema, cada vez mais debatida no cinema hollywoodiano, também é uma preocupação no universo das animações, segundo Saldanha. “A animação tem uma coisa única, que é o fato de trabalhar com animais (como personagens) na maior parte das vezes, e não há essa coisa da raça – de gênero sim. No roteiro, mostramos animais de todos os tipos, o que faz dele algo democrático, inclusivo. Mas ao fazermos um filme, antes de animar os personagens, gravamos as vozes primeiro, contratando atores de verdade, e sempre temos a preocupação de buscar uma pluralidade de raças e gêneros”, pondera o realizador brasileiro.


(*) O repórter viajou a convite da organização do Festival de Gramado

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