Doces, mas nem tanto: pouco açúcar é diferencial das sobremesas francesas

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
08/04/2018 às 07:29.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:14

Nem só de pratos salgados vive a culinária francesa. Berço da gastronomia mundial, o país europeu é representante de peso também quando o assunto é sobremesa. Inventor de receitas emblemáticas como os macarons, biscoito redondo, crocante por fora e macio por dentro, do tradicional crème brûlée, aquele da casquinha queimada, dentre outras receitas, a terra de Napoleão é famosa por delícias com açúcar – mas não tão doces assim.

Caracterizados pelos processos longos e elaboração minuciosa, perfeita da escolha dos ingredientes à apresentação, os preparos têm como marca registrada a pouca quantidade de açúcar e, por isso, uma leveza extrema, explica a chef pâtissier Elisa Dayrell, da Espetacular Doceria, em Belo Horizonte.

“A perfeição vem em primeiro lugar, acompanhada pela harmonia de sabores. Quando falamos em doce francês logo pensamos em algo bem leve, com pouco açúcar, o que distancia bastante dos preparos brasileiros”, detalha. Para se ter uma ideia, enquanto um único pão de ló (receita inglesa base de diversos bolos brasileiros) chega a levar quatro xícaras de açúcar – algo em torno de 240 gramas –, cerca de um quinto dessa medida é suficiente para preparar 20 tortas francesas. É para comer sem culpa, brinca a profissional, formada na Le Cordon Bleu de Paris, uma das instituições de culinária mais respeitadas do mundo.Victor Schwaner/DivulgaçãoMacio por dentro e crocante por fora, macaron é "cartão-postal" de Paris

Mais famosas

Como principais representantes da pâtisserie francesa, a chef cita a operà, torta montada em 12 camadas fininhas intercaladas com biscuit de amêndoas, creme de café e ganache de chocolate meio-amargo, as clássicas tartelettes, tortinhas com massa de farinha de amêndoa e recheios de fruta, e os macarons, que têm despontado em BH como substitutos perfeitos dos bem-casados, guardadas as devidas proporções, em função da tradição brasileira, claro. 

Mais caros, diga-se de passagem, os doces importados da França valem o preço que custam. Afinal, são representantes legítimos do que há de mais perfeito na confeitaria mundial, garante a chef pâtissier. "Para os chefs franceses, não adianta estar gostoso e não ser bonito e vice-versa, é preciso que o conjunto seja perfeito”, afirma. 

Para preparar um macaron, por exemplo, leva-se o tempo de confecção da massa, somado ao do preparo do recheio, mais tempo de forno e o do casamento dos pares. Outro que percorre um caminho longo até a mesa é a fraisier, torta de morango que tem creme de confeiteiro, bolo, morangos frescos cortados milimetricamente e merengue.

Pouca gente sabe, mas petit gâteau não existe na França; o bolinho que derrete por dentro, na verdade, é uma receita que não deu certo. Na Europa, ele é somente um bolo pequeno

Flávio Tavares

Delicadeza da operà, torta construída sobre 12 finíssimas camadas, comprova sutileza das receitas francesas

Frutas brasileiras incrementam receitas europeias

Cuidadosa com a essência da confeitaria clássica francesa e preocupada não só em observar os detalhes como em executá-los com perfeição, a chef pâtissier Mariana Correa, da La Parisserie, em BH, tem se permitido “abrasileirar” certas receitas para se aproximar um pouquinho mais do paladar brasileiro. 

Na loja dela não é difícil encontrar iguarias com manga, cumaru (semente amazônica bastante aromática), banana, abacaxi, coco e até pitanga. Entre as opções disponíveis prêt-à-emporter, ou seja, prontas para levar para casa, ou para encomenda, estão a tarte gourmangue, torta de manga com creme de caramelo salgado e coco queimado, macaron de banana caramelada e torta de framboesa, coco e cumaru.

“Procuro colocar um pouquinho da minha personalidade, sem abandonar as técnicas francesas”, ressalta Mariana, mencionando a escolha dos ingredientes com base na sazonalidade, critério usado também no país europeu. 

Na confeitaria da profissional, localizada no bairro Anchieta, Zona Sul da cidade, são servidos, diariamente, nada menos que 25 opções de produtos. Entre eles estão tartes (tortas à base de pâte sucrée, uma massa doce), gâteaux (bolos), entremets, tortas mais trabalhadas, confisseries, balas e caramelos, e petit fours, tudo feito artesanalmente pela própria chef. 

As receitas também não levam essências, aditivos nem outros produtos artificiais. E o uso do açúcar é bastante moderado, como deve ser. Além disso, o queridinho das confeiteiras brasileiras, o leite condensado, passa longe da estação de trabalho dela, que define a confeitaria francesa como uma mistura de ciências exatas e arte.

Além disso:

Participante de uma da segunda edição do programa Que Seja Doce, do GNT, a chef pâtissier Lídice Peres é outra que faz questão de manter a tradição francesa na cozinha da loja que leva o próprio nome, em BH. O espaço, que fica no bairro Sion, região Centro-Sul, foi aberto há dois anos e meio e serve, todos os dias, cerca de dez tipos de doces. 

Dentre as receitas estão crème brulée (à base de creme de leite, ovos, açúcar e baunilha, com uma crosta de açúcar maçaricado), éclair ou bomba de chocolate no bom e velho português, saint honoré (bolo com massa folhada crocante, bombinhas carameladas e recheadas com creme de baunilha e cobertura de chantilly) e os queridinhos macarons em pelo menos dois sabores. Barbara Kaucher/Divulgação

Meia esfera de Lídice Peres, Dôme Ouro Preto leva pó de ouro vindo diretamente da França 

Para ela, a marca registrada da confeitaria francesa é também a leveza. “Não faço nenhuma adaptação para o paladar brasileiro. Mantenho todas as receitas bem clássicas, sem usar nada de leite condensado, por exemplo”, reforça. A exceção fica por conta de uma criação da confeiteira: dôme Ouro Preto homenageia a cidade histórica de Minas e leva nada menos que chocolate belga, cacau, creme de leite fresco, amêndoas e avelãs.

Deu água na boca? Aprenda receita da chef Mariana Correa, da La Parisserie, e faça bonito em casa:

Torta Gourmangue

- Pâte sucrée
Ingredientes: 

150g de farinha de trigo
50g de coco queimado
75g de açúcar de confeiteiro
75g de manteiga sem sal
30g de ovo

Misture os ingredientes secos e adicione a manteiga gelada em cubos. Trabalhe rapidamente até ter uma farofa. Adicione o ovo batido e misture rapidamente até a massa ficar homogênea. Cubra com plástico filme e leve à geladeira por 30 minutos a 1h. 
Abra a massa com um rolo, enfarinhando o mínimo possível até uma espessura de +- 4mm. Forre um aro de 22cm de diâmetro com a massa. Cubra com plástico filme e coloque pesos (feijões, milho de canjica, etc). Leve para assar em forno pré-aquecido a 180°C até começar a dourar. Retire do forno, retire os pesos e o plástico e volte ao forno até dourar levemente o centro. Deixe a massa esfriar completamente antes da montagem.

- Creme de caramelo
Ingredientes do caramelo:

105g de açúcar refinado
50g de creme de leite fresco
75g de manteiga sem sal
2g de flor de sal

Ingredientes do creme:
230g de cream cheese
350g de creme de leite fresco
25g de coco queimado

Faça um caramelo claro com o açúcar. Ao mesmo tempo, aqueça o creme de leite e deixe a manteiga fria pesada com flor de sal. Quando o caramelo se formar, desligue o fogo e adicione o creme de leite morno aos poucos e com cuidado. Misture com fouet até incorporar e parar de ferver. Volte ao fogo até 107°C, desligue e adicione a manteiga com a flor de sal. Misture com o fouet até incorporar. Deixe esfriar em temperatura ambiente. 
Bata o cream cheese com o caramelo já frio até incorporar. Bata o creme de leite fresco gelado em chantilly. Incorpore os dois cremes e o coco queimado delicadamente com uma espátula. Coloque o creme num saco de confeitar com bico pitanga médio. Reserve na geladeira.

- Gelée de manga
Ingredientes:

40g de açúcar refinado
1 unidade grande de manga hadem
1/2 unidade de fava de baunilha
200g de polpa de manga
4g de gelatina em folha
30g de geleia de brilho

Hidrate a gelatina em folha em água fria. 
Coloque os 40g de açúcar numa panela com 400ml de água e a fava de baunilha aberta e raspada com as sementes. Leve ao fogo baixo. Assim que começar a fervilhar adicione a manga picada em cubos grandes. Deixe cozinhar por 15min em fogo baixo. Deixe algumas fatias finas de manga para decoração. 
Em outra panela aqueça a polpa de manga. Adicione a gelatina hidratada e bem escorrida. Adicione os pedaços de manga cozidos na calda de baunilha e misture delicadamente. 

Montagem: 
Coloque a gelée de manga num aro de 18cm forrado com plástico filme. Leve ao freezer por pelo menos 2h. 
Recheie a massa de coco queimado já assada com o creme de caramelo, e alise. Coloque a gelée ainda congelada sobre o creme, bem ao centro da torta, pincele a geleia de brilho. 
Decore a lateral da gelée com mais creme fazendo pitangas. Decore a torta com as fatias finas de manga.Victor Schwaner/DivulgaçãoTorta clássica da confeitaria francesa tem assinatura especial da chef Mariana Correa: coco e manga 

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