Museu vivo: Espaço no Aglomerado Santa Lúcia se destaca pela aproximação com a comunidade

Bernardo Almeida
31/08/2019 às 12:35.
Atualizado em 05/09/2021 às 20:22
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Ao lado de uma capela, na divisa do bairro Santo Antônio com a Vila Estrela, o Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu) foi criado em 2012 e desde 2014 fincou pé no atual imóvel, onde chama atenção pela maneira de contar a história da comunidade do Aglomerado Santa Lúcia. 

O Muquifu é enraizado na premissa de museologia social, com foco nas histórias que cada objeto do acervo carrega, além da peça em si, enfatiza o padre Mauro Luiz da Silva, curador do espaço e artista plástico. “Recolhemos e preservamos esses objetos que estão aqui, mas somos curadores das histórias que eles contam”, observa. 

A crítica social é permanente, como na representação do claustrofóbico “Quartinho de empregada”, que abre espaço para empregadas domésticas escreverem relatos nas paredes, além de fotografias de moradores nas janelas de casas da região que não existem mais, diante da extinção das vilas Esperança e São Bento. 

“O Muquifu conta a história dos negros que vão sendo retirados do Centro de BH, com objetos e documentos de histórias que ficaram embaixo do asfalto, contadas pelas próprias pessoas”, diz padre Mauro. 

Em 28 de setembro ele conduzirá uma cerimônia para marcar os 200 anos da antiga Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, na esquina das ruas da Bahia e Timbiras, onde a população negra costumava se reunir nos tempos de Curral del Rei. Posta abaixo pelo plano de construção da nova capital, no fim do século XIX, a paróquia e o cemitério que a cercava serão lembrados por uma placa que marcará a esquina do Largo do Rosário.

Ressignificação

O Muquifu desperta a admiração de museólogos do país na busca por ideias que despertem o interesse das pessoas em dar vida a esses espaços. “O que ocorre ali é a participação da comunidade naquilo que considera objetos patrimonializados, que pertencem a ela e não entram no museu por si só, mas como uma história oral daquele grupo”, explica Cátia Rodrigues Barbosa, professora da UFMG e membro do Conselho internacional de Museus (Icom).

O exemplo mais exaltado por museólogos foi o empréstimo de um tambor pelo museu para a celebração de Nossa Senhora do Rosário no Aglomerado Santa Lúcia, em 2018. Um gesto que ressignificou o objeto, cedido pela Guarda 13 de Maio e hoje exibido em frente ao espaço “Reino de Dona Marta”, no segundo andar do Muquifu.Lucas Prates

Curador do Muquifu, padre Mauro reuniu janelas de casas demolidas das vilas São Bento e Esperança

Casa atual do Museu de Quilombos e Favelas Urbanos, a capela possui uma simbologia especial. Era ponto de encontro para convívio e oração de um grupo de 14 mulheres da Vila Estrela, das quais seis já faleceram. Na década de 70 elas resistiram à tentativa de venda do barracão pela Igreja Católica. No terreno, se reuniam em um barraco que fica abaixo de uma gameleira que continua a cobrir o local, e participaram do processo de montagem do museu. Algumas ainda participam de eventos, como dona Marta, de 74 anos. Em contrapartida à cessão do terreno para o espaço cultural, a equipe do museu cuidou da pintura da capela, a cargo dos pintores Marcial Ávila e Cleiton Gos. 

A obra, chamada Igreja das Santas Pretas, narra a história dessas mulheres. Quatorze cenas também ocupam as paredes da capela, em uma área de 110 m², em que ainda está simbolizado o sincretismo do Catolicismo com religiões de origem africana, como candomblé e umbanda, convivência que se faz presente nas galerias do museu. 

O Muquifu fica aberto de segunda à sexta-feira, das 13h30 às 17h. A entrada é gratuita, pela rua Santo Antônio do Monte, 708, no bairro Santo Antônio. Sem cobrar ingresso e sem parceria com governos, o museu depende de doações para manutenção. 

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