O som do bem-estar: música é ferramenta que ajuda a socializar e reabilitar pacientes

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
22/11/2018 às 16:02.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:57
 (Pixabay/Divulgação)

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Tocar um instrumento musical, treinar o ouvido para perceber as diferentes combinações de acordes e a própria letra ou simplesmente deleitar-se com o artista preferido. Os benefícios da música vão além de agradar os ouvidos. Capaz de interferir no funcionamento de todo o corpo, ajuda a tratar doenças, melhorando aspectos como fala, coordenação motora e equilíbrio, promovendo ganhos intelectuais e sociais.

Na Associação Mineira de Reabilitação (AMR), no bairro Mangabeiras, Zona Sul de Belo Horizonte, as aulas de musicoterapia acontecem preferencialmente em grupo. O motivo, explica Cibele Maria Veiga Loureiro – coordenadora do projeto de extensão de Musicoterapia da UFMG na instituição –, é promover um “espelhamento” entre os participantes. “Espelhar-se em outra criança aumenta a motivação e a interação com o outro, com o terapeuta e consigo mesmo”.

Habilidades

Atenção, comunicação, expressão, compreensão e movimento são algumas das habilidades trabalhadas na casa, que atende crianças e adolescentes até 18 anos. A maioria convive com sequelas de paralisia cerebral, apresentando algum tipo de distúrbio de movimento. As deficiências, no entanto, são múltiplas, diz a musicoterapeuta Verônica Magalhães Rosário, supervisora da clínica de estágio na AMR e professora na UFMG.Flávio Tavares

ABORDAGEM SISTÊMICA - Associação Mineira de Reabilitação utiliza a musicoterapia neurológica na reabilitação sensorial, motora, de movimentos, fala e linguagem de crianças e adolescentes; aulas em grupo potencializam a interação entre eles

“Utilizamos a musicoterapia neurológica para trabalhar, principalmente, a reabilitação sensorial e motora, de movimentos, da fala e da linguagem, e também cognitiva, a memória e a atenção”, detalha.

As aulas, que duram 1h15, se dividem em canção de acolhimento, para situar os alunos; de identificação; de movimento, que estimula o corpo, e em momentos de produção musical pelos próprios pacientes. “Tocam guisos, chocalhos ou instrumentos como xilofone e metalofone, conforme o propósito desejado”, enfatiza Verônica. 

Abordagem individual

Profissional com 30 anos de experiência em musicoterapia, a psicóloga Simone Presotti, do espaço Musicoterapia BH, na capital mineira, explica que a abordagem da musicoterapia varia conforme o histórico do paciente e segue, portanto, um plano terapêutico traçado individualmente. 

“O diferencial está na possibilidade de investigarmos o quadro de maneira sistêmica. O musicoterapeuta estuda anatomia, neuroanatomia, desenvolvimento humano e tem conhecimento amplo sobre doenças e suas implicações. Os resultados estão nas sutilezas”, acrescenta.

No espaço dela, no bairro Buritis, região Oeste de BH, os pacientes são levados a se envolver com as abordagens musicais, participando ativamente da própria melhora. A maior parte deles, conforme a musicoterapeuta, demanda intervenções em diferentes aspectos, dentre eles fala, socialização e coordenação motora. 

“Crianças com instabilidade motora global, por exemplo, que têm pouco interesse em manusear objetos, podem usufruir da música como fator motivacional. De toda forma, mesmo quando alcançamos determinado objetivo terapêutico, sempre há o que se iniciar. A alta não é tão rápida”, esclarece Simone. Lucas Prates

MELHORA GLOBAL - Psicóloga e musicoterapeuta com 30 anos de profissão, Simone Presotti diz que a música usada de forma terapêutica é capaz de melhorar linguagem e motivação para atividades do dia a dia

Auxiliar na relação da família, no tratamento de pais com filhos, é outra função, indireta, da ferramenta. “Orientamos sobre um repertório musical que seja mais adequado para cada caso e sobre como criar álbuns que sejam terapeuticamente proveitosos. Não é simplesmente colocar a criança para ouvir qualquer música”, enfatiza Simone Presotti. 

Belo Horizonte sedia, neste fim de semana, o III Fórum Brasileiro de Musicoterapia e Autismo; evento acontece no Centro da capital

Abordagem pedagógica também beneficia memória, raciocínio e funcionamento do corpo

Embora percorra caminho diferente da musicoterapia, a educação musical, que tem viés pedagógico, também produz efeitos positivos sobre equilíbrio de corpo e mente. Professor na Escola de Música da UFMG e diretor do Núcleo Villa-Lobos, no bairro Santa Efigênia, Leste de BH, o médico João Gabriel Marques Fonseca diz que os ganhos passam por quatro eixos, incluindo memória, cognição e funções fisiológicas do organismo. 

“A música é um instrumento cognitivo poderoso, independentemente da faixa etária. Melhora memória, raciocínio, estimula a motricidade, interfere no ritmo cardíaco, na pressão arterial e na respiração e emociona, no sentido mais genérico da palavra”. 

Os ganhos, segundo ele, são ainda maiores quanto utilizada com alunos da terceira idade, que já dispõem de boa concentração e atenção. “Com eles, é capaz de estimular memória e atenção crítica, promovendo grande benefício cognitivo. Se além de tocarem ou cantarem, se dispuserem a compor, ganharão ainda mais”, acrescenta. 

Em relação aos reflexos sobre funções vitais do organismo, o professor explica que a escuta ativa ajuda a equalizar o funcionamento do sistema nervoso autônomo, responsável pelo controle de sistemas fisiológicos vitais e de órgãos como coração e pulmão. 

“Nesse aspecto, o equilíbrio propiciado pela música pode colaborar no tratamento contra doenças muito comuns, como hipertensão e diabetes. Há trabalhos científicos que estudam, inclusive, o efeito positivo da audição voluntária em pacientes em pós-operatório de grandes cirurgias, internados em CTI. Mostram resultados satisfatórios na evolução do tratamento”. Flávio TavaresDUPLO GANHO - Aos 71 anos, o contador aposentado José Rubem investiu nas aulas de violão como receita para melhorar a qualidade de vida. Além de aprender as músicas preferidas, começou a “trabalhar a cabeça” e melhorou a memória 

Motivação

Aluno do Núcleo Villa-Lobos, também com unidade no bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Grande BH, o contador aposentado José Rubem, de 71 anos, desejava aprimorar as habilidades no violão, mas não fazia ideia dos outros ganhos que estavam por vir. 

“Via pessoas novas com perda de memória e comecei a fazer aulas para ‘trabalhar a cabeça’. Foi, de fato, muito positivo”, diz o agora violinista, que faz aulas individuais, há seis anos, e sente-se, desde então, mais motivado e bem disposto para executar as tarefas do dia a dia.

Além disso:

Estudo publicado no início deste mês na revista científica Translational Psychology mostrou que cantar e tocar instrumentos pode melhorar as habilidades de comunicação de crianças com autismo. 

Realizado em universidades canadenses, o estudo monitorou a atividade cerebral de dois grupos de crianças com idades entre 6 e 12 anos. Pais dos participantes submetidos a sessões semanais de terapia com música relataram melhora na parte de comunicação e na qualidade de vida das crianças. 

Exames de ressonância magnética realizados no mesmo grupo também apontaram maior conectividade entre as regiões motora e auditiva do cérebro e menor ligação entre as regiões auditiva e visual –situação mais frequente em pacientes com autismo.

Este é o primeiro estudo que mostra como atividades com música realizadas por crianças com o transtorno podem ter respostas positivas não só quanto à comunicação, mas em relação à conectividade cerebral. 

Segundo os pesquisadores, um dos maiores desafios das terapias destinadas ao tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é fazer com que os pacientes se comuniquem com atenção ao que o outro diz, pensando em uma resposta e ignorando os ruídos à volta. 

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